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Acerbo Nimis - Carta encíclica de São Pio X sobre o ensino do Catecismo

Acerbo Nimis - Carta encíclica de São Pio X sobre o ensino do Catecismo

Veneráveis Irmãos,
Saudação e Bênção Apostólica. 

1. Os secretos desígnios de Deus Nos elevaram de Nossa pequenez ao cargo de Supremo Pastor de todo o Rebanho de Cristo, em dias demasiado críticos e amargos, pois o velho inimigo anda ao redor deste rebanho e lhe atira laços com tão pérfida astúcia, que agora, principalmente, parece ter-se cumprido aquela profecia do Apóstolo aos anciãos da Igreja de Éfeso: “Eu sei que […] se introduzirão entre vós lobos arrebatadores, que não pouparão o rebanho” (At 20,29).

Desta mal que padece a religião não há ninguém, animado do zelo pela glória divina, que não investigue as causas e razões, sucedendo porém que, como cada qual as encontra diferentes, propõe diferentes meios, segundo a sua opinião pessoal, para defender e restaurar o reinado de Deus na terra. Não proscrevemos, Veneráveis Irmãos, os outros juízos, mas estamos com os que pensam que a atual depressão e debilidade das almas, de que resultam os maiores males, provêm, principalmente, da ignorância das coisas divinas.

Esta opinião concorda inteiramente com o que o Deus mesmo declarou por seu profeta Oséias: “Não há conhecimento de Deus nesta terra. A maldição, e a mentira, e o homicídio, e o furto, e o adultério inundaram tudo; e têm derramado sangue sobre sangue. Por isso a terra cobrir-se-á de luto, e tudo o que nela habita cairá em desfalecimento” (Os. 4,1 ss).

Necessidade da Instrução

2. Quão comuns e fundados são, infelizmente, estes lamentos de que existe hoje um grande número de pessoas, no povo cristão, que vivem em suma ignorância das coisas que se devem conhecer para conseguir a salvação eterna! – Ao dizer "povo cristão", não Nos referimos somente à plebe, isto é, àqueles homens das classes inferiores a quem escusa com frequência o fato de se acharem submetidos a senhores exigentes, e que mal se podem ocupar de si mesmos e de seu descanso; mas também e sobretudo falamos daqueles a quem não falta entendimento nem cultura e até se acham adornados de grande erudição profana, mas que, no tocante à religião, vivem temerária e imprudentemente.

Difícil seria ponderar a espessura das trevas que com frequência os envolvem e – o que é mais triste – a tranquilidade com que permanecem nelas! Com Deus, soberano autor e moderador de todas as coisas, e com a sabedoria da fé cristã não se preocupam, de modo algum; e assim nada sabem da Encarnação do Verbo de Deus, nem da redenção por Ele levada a efeito; nada sabem da graça, o principal meio para a eterna salvação; nada do sacrifício augusto nem dos sacramentos, pelos quais conseguimos e conservamos a graça.

Quanto ao pecado, não conhecem sua malícia nem sua fealdade, de modo que não tomam o menor cuidado em evitá-lo, nem em conseguir o perdão por tê-lo cometido; e, quando chegam aos últimos momentos de sua vida, que convenientemente deveriam ser empregados em atos de Caridade, o sacerdote – por não perder a esperança de sua salvação – se vê constrangido a ensinar-lhes sumariamente a religião; e isto, se não ocorre – desgraçadamente, com muita frequência – que o moribundo seja de tão culpável ignorância, que tenha por inútil o auxílio do sacerdote e julgue que possa transpor tranquilamente os umbrais da eternidade sem ter satisfeito a Deus por seus pecados.

Por isso, o Nosso predecessor Bento XIV escreveu justamente: “Afirmamos que a maior parte dos condenados às penas eternas padecem sua perpétua desgraça por ignorar os mistérios da fé, que necessariamente se devem saber e crer para que alguém se conte entre os eleitos” (Instit. 27, 18).

3. Sendo isto assim, Veneráveis Irmãos, que tem de surpreendente, perguntamos, que a corrupção dos costumes e sua depravação sejam tão grandes e cresçam diariamente, não só nas nações bárbaras, mas ainda nos mesmos povos que levam o nome de cristãos?

Com razão dizia o apóstolo São Paulo, ao escrever aos de Éfeso: “E nem sequer se nomeie entre vós a fornicação, ou qualquer impureza, ou avareza, como convém a santos; nem palavras torpes, nem loucas, nem chocarrices” (Ef. 5, 3 ss). Como fundamento deste pudor e santidade com que se moderam as paixões, pôs a ciência das coisas divinas: “Cuidai, pois, irmãos, em andar com prudência; não como insensatos, mas como circunspectos […]. Portanto, não sejais imprudentes, mas considerai qual é a vontade de Deus” (Ef. 5, 15 ss).

Sentença justa; porque a vontade humana mal conserva algum resto daquele amor à honestidade e à retidão, posto no homem por Deus criador seu, amor que o impelia para o bem, não entre sombras, mas claramente visto. Depravada, todavia, pela corrupção do pecado original e esquecida quase de Deus, seu Criador, a vontade humana acaba por inclinar-se de todo a amar a vaidade e a buscar a mentira. Extraviada e cega pelas más paixões, necessita de um guia que lhe mostre o caminho de volta à via da justiça que desgraçadamente abandonou. Este guia, que não se há de buscar fora do homem, e de que a própria natureza o proveu, é a própria razão; mas se à razão lhe falta sua verdadeira luz, que é a ciência das coisas divinas, sucederá que, ao guiar um cego a outro cego, cairão ambos no abismo.

O santo Rei Davi, glorificando a Deus por esta luz da verdade que havia infundido na razão humana, dizia: “Impressa está em nós a luz do Vosso rosto, ó Senhor”. E indicava o efeito desta comunicação da luz, acrescentando: “Infundiste no meu coração uma alegria maior [...]” (Sl. 4, 7), a alegria com que, alargado o coração, se corre pela senda dos mandados divinos.

Efeitos das Doutrina Cristã

4. Facilmente se descobre que é assim, porque, com efeito, a doutrina cristã nos faz conhecer a Deus e o que chamamos suas infinitas perfeições, muito mais profundamente que as faculdades naturais. Mais: ao mesmo tempo, manda-nos reverenciar a Deus por obrigação de , que se refere à razão; por dever de esperança, que se refere à vontade, e por dever de caridade, que se refere ao coração, com o qual deixa o homem inteiramente submetido a Deus, seu Criador e moderador. Da mesma maneira, só a doutrina de Jesus Cristo põe o homem de posse de sua verdadeira e nobre dignidade, como filho que é do Pai celestial, que está nos céus, e que o fez à Sua imagem e semelhança para viver com Ele eternamente feliz. Mas, desta mesma dignidade e do conhecimento que dela se há de ter, conclui Cristo que os homens devem amar-se mutuamente e viver na terra como convém aos filhos da luz: “não em glutonarias e na embriaguez, não em desonestidades e dissoluções, não em contendas e emulações” (Rm 13,13). Manda, igualmente, que nos entreguemos nas mãos de Deus, que cuida de nós; que socorramos o pobre, façamos bem aos nossos inimigos e prefiramos os bens eternos da alma aos perecedores bens temporais. E, ainda que não tratemos tudo pormenorizadamente, não é por acaso doutrina de Cristo a que recomenda e prescreve ao homem soberbo a humildade, origem da verdadeira glória? “Todo aquele, pois, que se fizer pequeno, esse será o maior no reino dos céus” (Mt 18, 4).

Nesta celestial doutrina, é nos ensinada a prudência do espírito, que serve para que nos guardemos da prudência da carne; a justiça, para dar a cada um o que é seu de direito; a fortaleza, que nos dispõe a sofrer e padecer tudo generosamente por Deus e pela eterna bem-aventurança; enfim, a temperança, que não só nos torna amável a pobreza por amor de Deus, mas, em meio a nossas humilhações, faz com que nos gloriemos na cruz. Depois, graças à sabedoria cristã, não só nossa inteligência recebe a luz que nos permite alcançar a verdade, mas também a própria vontade se enche daquele ardor que nos conduz a Deus e nos une a Ele pela prática da virtude.

5. Longe estamos de afirmar que a malícia da alma e a corrupção dos costumes não possam coexistir com o conhecimento da religião. Quisera Deus que a experiência  não o demonstrasse com tanta frequência. Mas entendemos que, quando ao espírito envolvem as espessas trevas da ignorância, nem a vontade pode ser reta, nem são os costumes. Aquele que caminha de olhos abertos, poderá afastar-se, não se nega, do rumo reto e seguro; mas o cego está em perigo certo de perder-se. – Ademais, quando não está inteiramente apagada a chama da fé, ainda resta a esperança de que se elimine a corrupção dos costumes; mas quando à depravação se junta a ignorância da fé, já não possibilidade de remédio, e permanece aberto o caminho da ruína.

O Primeiro Ministério

6. Uma vez que da ignorância da religião procedem tantos e tão graves danos, e que, por outro lado, são tão grandes a necessidade e a utilidade da formação religiosa, pois em vão seria esperar que alguém pudesse cumprir as obrigações de cristão sem as conhecer, convém saber agora a quem compete preservar as almas daquela perniciosa ignorância e instruí-las em ciência tão indispensável. – E isto, Veneráveis Irmãos, não oferece dificuldade alguma, porque esse gravíssimo dever corresponde aos pastores de almas, que efetivamente se acham obrigados por mandado do próprio Cristo a conhecer e apascentar as ovelhas que lhes são confiadas. Apascentar é, antes de mais nada, doutrinar. “Eu vos darei pastores segundo o meu coração, os quais  vos apascentarão com a ciência e com a doutrina” (Jer. 3, 15).

Assim falava Jeremias, inspirado por Deus. E, por isso, dizia também o apóstolo São Paulo: “Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar” (1 Cor. 1, 17), advertindo assim que o principal ministério de quantos exercem, de alguma maneira o governo da Igreja, consiste em ensinar aos fiéis a doutrina sagrada.

7. Parece-nos inútil expor novas provas da excelência deste ministério e da estima que dele tem Deus. Sim, é verdade que Deus louva grandemente a piedade que nos move a procurar o alívio das misérias humanas; mas quem negará que maior louvor merecem o zelo e o trabalho consagrados a fornecer os bens celestiais aos homens, e não já os transitórios benefícios materiais? Nada pode ser mais grato – segundo seus próprios desejos – a Jesus Cristo, Salvador das almas, que disse de Si mesmo pelo Profeta Isaías: “O Espírito do Senhor [...] me ungiu para evangelizar os pobres” (Luc. 4,18).

Importa muito, Veneráveis Irmãos, assentar bem aqui – e, insistir nisto – que para todo e qualquer sacerdote é este o dever mais grave, mais estrito, a que está obrigado. Porque, quem negará que, no sacerdote, à santidade de vida de estar unida a ciência? “Os lábios do sacerdote serão os guardas da ciência” (Mal. 2, 7).

E, com efeito, a Igreja rigorosamente a exige de quantos aspiram a ordenar-se sacerdotes. E, por quê? Porque o povo cristão espera receber dos sacerdotes o ensino da divina lei, e porque Deus os destina a propagá-la. “Da sua boca se há de aprender a lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos” (Mal. 2, 7). Por isso, no momento da ordenação, diz o bispo, dirigindo-se aos que vão ser consagrados sacerdotes: “Que vossa doutrina seja remédio espiritual para o povo de Deus; que todos sejam prudentes colaboradores de nosso encargo, de modo que, meditando dia e noite acerca da santa lei, creiam naquilo que leram e ensinem aquilo em que creram” (Pontif. Rom.).

Se não há sacerdote a que isto não seja aplicável, que diremos dos que, acrescentando ao sacerdote o nome e o poder de pregadores, têm a seu cargo o compromisso de cura das almas, assim por sua dignidade como por um pacto contraído? Estes hão de estar incluídos, de algum modo, na classe dos pastores e doutores que Jesus Cristo deu aos fiéis para que não mais sejam "meninos flutuantes, e levados, ao sabor de todo o vento de doutrina, pela malignidade dos homens, pela astúcia dos que induzem ao erro; mas, praticando a verdade na caridade, cresçam em todas as coisas naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef. 4, 14-15).

Disposições da Igreja

8. Por isso, o sacrossanto Concílio de Trento, falando dos pastores de almas, declara que a primeira e a maior de suas obrigações é a de ensinar o povo cristão (Sess.5, c. 2 de refor.; sess. 22, c. 8; sess. 24, c. 4 e 7 de refor.). Dispõe, em consequência, que pelo menos nos domingos e festas solenes deem ao povo instrução religiosa, e, durante os santos tempos do Avento e da Quaresma, diariamente ou ao menos três vezes por semana. E, não só isso, porque acrescenta o Concílio que os párocos estão obrigados, ao menos nos domingos e dias de festa, a ensinar, eles próprios ou por meio de outros, às crianças as verdades de fé e a obediência  que devem a Deus e a seus pais. Igualmente manda que, quando tenham de administrar algum sacramento, instruam acerca de sua natureza os que vão recebê-lo, explicando-o em língua vulgar e inteligível.

9. Em sua constituição Etsi Minime, Nosso predecessor Bento XIV resumiu tais prescrições e precisou-as claramente, dizendo: “Duas obrigações impõe principalmente o Concílio de Trento aos pastores de almas: uma, que todos os dias de festa falem ao povo acerca das coisas divinas; outra, que ensinem às crinaças e aos ignorantes os elementos da lei divina e da fé”.

Com razão dispõe este sapientíssimo Pontífice o duplo ministério, a saber: a pregação, que habitualmente se chama explicação do Evangelho, e o ensino da doutrina cristã. Talvez não faltem sacerdotes que, desejosos de poupar a si mesmos trabalho, creiam que com as homilias satisfazem a obrigação de ensinar o Catecismo. Quem quer que reflita descobrirá o erro desta opinião; porque a pregação do Evangelho está destinada aos que já possuem os elementos da fé. É o pão que deve dar-se aos adultos. Mas, pelo contrário, o ensino do Catecismo é aquele leite que o apóstolo São Pedro queria que todos os fiéis desejassem sinceramente, como as crianças recém-nascidas. – O ofício, pois, do catequista consiste em escolher alguma verdades relativa à fé e aos bons costumes cristãos, e explicá-la em todos os seus aspectos. E, como a finalidade do ensino é a perfeição da vida, o catequista há de comparar o que Deus manda fazer e o que os homens fazem realmente; depois disso, e extraindo oportunamente algum exemplo da Sagrada Escritura, da história da Igreja ou das vidas dos Santos, deverá aconselhar a seus ouvintes, como se a assinalasse com o dedo, a norma a que devem ajustar a vida, e terminará exortando os presentes a fugir dos vícios e a praticar a virtude.

Instrução Popular

10. Não ignoramos, em verdade, que este método de ensinar a doutrina cristã não é grato a muitos, que o estimam insuficiente e talvez impróprio para atrair o louvor popular; mas Nós declaramos que semelhante juízo pertence aos que se deixam levar pela ligeireza mais do que pela verdade. Certamente não reprovamos os oradores sagrados que, movidos por sincero desejo de glória divina, se empenham na defesa da fé ou em fazer o panegírico dos Santos; mas seu labor requer outro, preliminar – o dos catequistas –, pois, faltando este, não há alicerces, e em vão se fatigam os que edificam a casa. É muito frequente que floridos discursos, recebidos com o aplauso de numeroso auditório, só sirvam para agradar o ouvido, não para comover as almas. Em contrapartida, o ensino catequético, ainda que simples e humilde, merece que se lhe apliquem estas palavras que disse Deus por Isaías:

E, assim como desce do céu a chuva e a neve, e não voltam mais para lá, mas embebem a terra, e fecundam-na e fazem-na germinar, a fim de que dê semente ao que semeia, e pão ao que come; assim será a minha palavra que sair da minha boca; não tornará para mim vazia, mas fará tudo o que eu quero, e produzirá os efeitos para os quais a enviei”. (Is. 55,10. 11).

O mesmo juízo se há de fazer daqueles sacerdotes que, para melhor expor as verdades da religião, publicam eruditos volumes; são dignos, certamente, de grande elogio. Quantos, porém, são os que consultam obras dessa índole e tiram delas o fruto correspondente ao labor e aos desejos de seus autores? Mas o ensino da doutrina cristã, bem feito, jamais deixa de aproveitar aos que o escutam.

11. Convém repetir – para inflamar o zelo dos ministros do Senhor – que já é grandíssimo, e aumenta cada dia mais, o número dos que ignoram tudo em matéria de religião, ou que só têm um conhecimento tão imperfeito de Deus e da fé cristã, que, em plena luz de verdade católica, lhes é possível viver como pagãos. Ah! quão grande é o número não de crianças, mas de adultos e até anciãos, que ignoram absolutamente os principais mistérios da fé, e, que ao ouvir o nome de Cristo, respondem: “Quem é […] para eu crer n'Ele?” (Jo 9, 36). Daí o terem por lícito forjar e manter ódio contra o próximo, fazer contratos iníquos, explorar negócios infames, fazer empréstimos usurários e cometer outras maldades semelhantes. Daí que, ignorantes da lei de Cristo – que proíbe não só toda e qualquer ação torpe, mas o pensamento voluntário e o desejo dela –, muitos que, por qualquer razão, até quase se abstêm dos prazeres vergonhosos, alimentam porém, em suas almas, que carecem de princípios religiosos, os pensamentos mais perversos, tornam o número de suas iniquidades maior que o dos cabelos de sua cabeça. – E, repitamos que estes vícios não se acham somente entre a gente pobre do campo e das classes baixas, mas também, e talvez com mais frequência, entre as pessoas de categoria superior, e até entre os que se invaidecem de seu saber e, apoiados numa vã erudição, pretendem escarnecer da religião e “blasfemar contra tudo o que não conhecem” (Jd. 10).

12. Se é coisa vã esperar colheita em terra que não semeada, como esperar gerações adornadas de boas obras, se oportunamente não foram instruídas na doutrina cristã? – Donde justamente concluímos que, se a fé enfraquece em nossos dias até parecer quase morta em uma grande maioria, é porque que se cumpriu descuidadamente, ou se descumpriu de todo, a obrigação de ensinar as verdades contidas no Catecismo. Inútil seria dizer, como escusa, que a fé é dada gratuitamente e conferida a cada um no batismo. Porque, certamente, quando fomos batizados em Jesus Cristo, fomos enriquecidos com o hábito da fé, mas esta divina semente não chega a “crescer… e criar grandes ramos” (Marc. 4, 32) se entregue a si mesma e reduzida a atuar como por virtude inata. Tem o homem, desde que nasce, a faculdade de entender; mas esta faculdade necessita da palavra materna para, como se diz, converter-se em ato. Também o homem cristão, ao renascer pela água e pelo Espírito Santo, traz como em germe a fé; mas necessita do ensino da Igreja para que essa fé possa nutrir-se, crescer e dar fruto.

Por isso escrevia o Apóstolo: “A fé provém do ouvir e o ouvir depende da pregação da palavra de Cristo” (Rom. 10, 17). E para mostrar a necessidade do ensino, acrescentou: “Como ouvirão, sem haver quem lhes pregue?” (Rom. 10, 14).

Normas

13. Pelo exposto até aqui, pode ver-se qual seja a importância da instrução religiosa do povo; devemos, pois, fazer todo o possível para que o ensino da Doutrina sagrada, instituição – segundo frase de Nosso predecessor Bento XIV – a mais útil para a glória de Deus e a salvação das almas (Const. Etsi minime, 13), se mantenha sempre florescente, ou, onde se tenha dela descuidado, se restaure. Assim, pois, Veneráveis Irmãos, querendo cumprir esta grave obrigação do apostolado supremo e fazer com que em todas as partes se observem em matéria tão importante as mesmas normas, em virtude de Nossa suprema autoridade, estabelecemos para todas as dioceses as seguintes disposições, que mandamos sejam observadas e expressamente cumpridas:

I) Todos os párocos, e em geral quantos exerçam cura de almas, hão de ensinar a todos os meninos e meninas, com base no Catecismo, durante uma hora inteira, todos os domingos e festas do ano, sem excetuar nenhum, aquilo em que devem crer e aquilo que devem fazer para alcançar a salvação eterna.

II) Os mesmos párocos hão de preparar os meninos e meninas, em época fixa do ano, e mediante instrução que deve durar vários dias, para receber dignamente os sacramentos da Penitência e da Confirmação.

III) Além disso, hão de preparar com especial cuidado os rapazinhos e mocinhas para que, santamente, se aproximem pela primeira vez da Sagrada Mesa, valendo-se para isso de oportunos ensinamentos e exortações, durante todos os dias de Quaresma e, caso seja necessário, durante vários outros depois da Páscoa.

IV) Em todas e cada uma das paróquias, erigir-se-á canonicamente a associação chamada vulgarmente Congregação da Doutrina Cristã. Com a qual, principalmente onde suceda ser escasso o número de sacerdotes, os párocos terão colaboradores seculares para o ensino do Catecismo, os quais se ocuparão deste ministério, tanto por zelo da glória de Deus, como para beneficiar-se das santas indulgências com que os Romanos Pontífices enriqueceram esta associação.

V) Nas cidades mais populosas, principalmente onde haja Faculdades maiores, Institutos e Colégios, fundem-se escolas de religião para instruir nas verdades da fé e nas práticas da vida cristã a juventude que frequente as escolas públicas, não quais não se mencionam as coisas da religião.

VI) Porque, nestes tempos, a idade madura, não menos que a infância, necessita da instrução religiosa, os párocos e quantos sacerdotes exerçam cura de almas, além da habitual homilia sobre o Santo Evangelho, que hão de fazer todos os dias de festa, na Missa paroquial, deverão determinar a hora mais oportuna para que compareçam os fiéis – excetuando a hora destinada à doutrina das crianças – e dar instrução catequética aos adultos, com linguagem simples e proporcionada à sua inteligência. Para isso, valer-se-ão do Catecismo do Concílio de Trento, de tal modo que, no espaço de quatro ou cinco anos, expliquem tudo quanto se refere ao Símbolo, aos Sacramentos, ao Decálogo, à Oração e aos Mandamentos da Igreja.

VII) Veneráveis Irmãos, isto mandamos e estabelecemos em virtude de Nossa autoridade apostólica. Agora, é obrigação vossa procurar, cada qual em sua própria diocese, que estas prescrições se cumpram inteiramente e sem demora. Velai, pois, e, com a autoridade que vos é peculiar, procurai que Nossos mandamentos não caiam no esquecimento, ou – o que resultaria no mesmo – se cumpram com negligência e frouxidão. Para evitar essa falta, haveis de empregar as recomendações mais assíduas e imediatas aos párocos, para que não expliquem o Catecismo sem prévia preparação, e para que não falem a linguagem da sabedoria humana, mas “com simplicidade de coração e com sinceridade diante de Deus” (2 Cor. 1, 12) sigam o exemplo de Cristo, o Qual, embora revelasse “coisas que têm estado ocultas desde a criação do mundo” (Mt 13, 35), as dizia “ao povo em parábolas; e não lhes falava sem parábolas” (Mat 13, 34). Sabemos que o mesmo fizeram os Apóstolos, ensinados por Jesus Cristo; e deles dizia São Gregório Magno: “Tiveram todo o empenho em pregar aos povos ignorantes coisas simples e acessíveis, e não coisas altas e árduas” (Moral. lib. 17, c. 26). E, nas coisas de religião, grande parte dos homens de nossa época há de ter-se por ignorante.

O trabalho do ensino

14. Mas não quereríamos que alguém, em razão desta mesma simplicidade que convém observar, imaginasse que o ensino catequético não requer trabalho nem meditação; ao contrário, ele os exige maiores que qualquer outro gênero. É mais fácil achar um orador que fale com abundância e brilhantismo que um catequista cujas explicação mereça pleno louvor. Por conseguinte, devem todos levar em conta que, por grande que seja a facilidade de conceitos e de expressão de que se ache naturalmente dotado, ninguém falará da doutrina cristã com proveito espiritual dos adultos nem das crianças sem antes se preparar com estudo e séria meditação. Enganam-se os que, confiando na inexperiência e rudeza intelectual do povo, creem que podem proceder negligentemente nesta matéria. Ao contrário: quanto mais incultos os ouvintes, maior zelo e cuidado se requerem para conseguir que as verdades mais sublimes, tão acima do entendimento da generalidade dos homens, penetrem na inteligência dos ignorantes; os quais, não menos que os sábios, necessitam conhecê-las para alcançar a eterna bem-aventurança.

15. Seja-nos permitido, Veneráveis Irmãos, dizer-vos ao terminar esta Carta, o que disse Moisés: “Quem é pelo Senhor, junte-se a mim” (Êx. 32, 26). Observai, rogamos-vos e pedimos quão grandes estragos produz nas almas a ignorância das coisas divinas. Talvez tenhais estabelecido, em vossas dioceses, muitas obras úteis e dignas de louvor, para o bem de vossos rebanhos; mas, com preferência a todas elas, e com todo o empenho, todo o zelo e constância que vos sejam possíveis, buscai esmeradamente que o conhecimento da Doutrina cristã penetre por completo na mente e no coração de todos. “Comunique cada um ao próximo – repetimos com o apóstolo São Pedro – o dom que recebeu, como bons dispensadores da multiforme graça de Deus” (1 Pd. 4, 10).

Que, mediante a intercessão da Imaculada e Bem-Aventurada Virgem Maria, vosso zelo e piedosa indústria se excitem com a Bênção Apostólica, que, em testemunho de Nossa caridade e como penhor de favores celestes, amorosamente vos concedemos a vós, a vosso clero e ao povo que vos está confiado.

Dado em Roma, junto a São Pedro, em 15 de abril de 1905, no segundo ano de Nosso Pontificado.

Papa Pio X.

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