As canonizações dos Papas pós-conciliares
Lex orandi, lex credendi – à doutrina de Vaticano II não poderia deixar de corresponder a piedade de Vaticano II, as orações ecumênicas e os santos ecumênicos de Vaticano II.
Assim como sua doutrina é contrária à doutrina ensinada pela Igreja ao longo de dois mil anos, assim também seus santos não são santos católicos. Em suma: bastaria apagar da vida católica este concílio e seu espírito anticatólico para que todas as coisas voltassem aos seus eixos, na vida da Igreja.
O texto abaixo mostra com clareza onde e como um católico deve entender esta delicada questão. Ele é de responsabilidade da Fraternidade São Pio X, tendo sido publicado no Boletim Electrónico DICI, em francês (www.dici.org).
A propósito das canonizações do Papa João Paulo II
Ao abordar este assunto, estamos conscientes de levantar um problema extremamente delicado que, por desejo natural da paz e da concórdia, preferiríamos não ter que abordar. Se há um domínio em que gostaríamos de seguir o papa, é a luta contra a tendência neo-protestante da dessacralização.
Entretanto, somos forçados a constatar no correr dos anos não somente uma multiplicação espantosa das beatificações e canonizações – voltaremos a esse assunto depois – mas igualmente uma escolha dos processos que provoca uma igualdade entre personagens às vezes doutrinariamente opostos. A beatificação dos papas Pio IX e João XXIII em 1999 foi um exemplo dos mais flagrantes. As canonizações, em alguns meses de distância, do Padre Pio e de José Escrivá de Balaguer serve igualmente para perturbar o espírito de quem faz uso ainda do princípio de não-contradição.
O presente trabalho não tem a pretensão de fechar a questão, isto não nos compete. Sem dúvida o magistério da Igreja, num futuro mais ou menos longínquo, nos dará mais luzes que a Roma atual e trará precisões quanto a alguns casos de beatificações ou canonizações [1] duvidosos.
Que o leitor não se escandalize com essa afirmação que implicaria um relativismo do magistério da Igreja. Não é o magistério em si mesmo que é relativo, mas a compreensão que têm dele os que o exercem hoje. De fato, a compreensão do conceito de Tradição comporta uma tal flexibilidade que o que é entendido num sentido hoje, poderá ser num sentido completamente oposto amanhã. Nesse contexto, pensamos que é possível abordar a questão da infalibilidade das canonizações atuais mantendo, por nossa parte, nossa adesão à doutrina comum. A fim de evitar todo mal-entendido, esclarecemos ainda que não se trata aqui de fazer um trabalho de discernimento das canonizações, procurando as que poderiam ser válidas, e as que não seriam. Ainda uma vez, não pertence a nós essa tarefa. Nossa reflexão é de outra ordem, ela se concentra sobre o espírito e a intenção com que essas canonizações são realizadas pela autoridade, hoje. Que não se impressionem se levantamos questões que abrangem também canonizações de pessoas cuja santidade já é provada publicamente por milagres e feitos extraordinários conhecidos, como é o caso de um Padre Pio, e nos quais a intervenção do magistério é, de certo modo, a sanção da vox populi.
A fim de progredir de modo claro na argumentação começaremos por definir as noções, o que nos levará a considerar num primeiro momento a doutrina tradicional quanto à canonização. Num segundo momento, nos voltaremos para as canonizações depois do concílio Vaticano II, para chegarmos enfim nas conclusões, as quais serão pistas de reflexão e não julgamentos definitivos.
Parte I: A doutrina tradicional [2]
A – Histórico
Lancemos um olhar sobre a história, o que nos permitirá discernir melhor a realidade da canonização. Na origem, encontramos o exercício espontâneo de um culto público dado a um fiel falecido, exprimindo a santidade deste e dando em exemplo suas virtudes. O primeiro culto foi dado aos santos mártires, o povo recolhia relíquias dessas vítimas da perseguição, edificava altares sobre seus túmulos e os padres ali celebravam a missa. Os primeiros exemplos remontam ao século II e a prática é universal no século III. Este culto devia ser autenticado pelo bispo: a disciplina distingue de fato os mártires reconhecidos e aqueles que não o são.
Foi somente no século IV que a canonização se estendeu àqueles que, mesmo não tendo tido a ocasião de derramar seu sangue pela fé, ilustrou-se de virtudes eminentes. A disciplina não varia: é aos bispos que incumbe reconhecer a santidade; mas, sobretudo no fim do século XI, os papas reclamam, para maior segurança, que o exame das virtudes e dos milagres se faça num quadro de um concílio, de preferência um concílio geral.
Qual é o estatuto jurídico desse reconhecimento oficial: trata-se de uma beatificação ou de uma canonização? Os testemunhos que a história nos deixou, não nos permitem saber com toda a certeza. Mas, se levamos em conta uma razão teológica necessária, parece muito provável que se tratava de simples beatificações, o poder de um bispo não ultrapassando os limites de sua diocese [3].
“O culto só se elevava à dignidade de uma canonização se passasse de diocese em diocese e se estendesse à Igreja universal, com o assentimento expresso ou tácito do Soberano Pontífice” [4].
Ou seja, se é admitido explicitamente que somente o bispo pode proceder a uma beatificação, no que concerne a canonização a disciplina em uso implica que somente o papa seja provido da competência necessária.
Acha-se enfim uma Constituição do papa Alexandre III, datada de 1170, inserida no Corpus júris canonici [5] que mostra explicitamente a regra disciplinar: a faculdade de decretar as beatificações na sua diocese é retirada dos bispos e reservada ao Soberano Pontífice; e então, a fortiori, a canonização propriamente dita continua prerrogativa do Soberano Pontífice. Esta prática, sabemos, não se fez de imediato e em todos os lugares conforme a esse princípio, e os bispos sempre consideraram a Constituição de Alexandre III como letra morta.
A controvérsia foi definitivamente encerrada pelos decretos do papa Urbano VIII de 13 de Março e de 2 de Outubro de 1625, de início promulgadas em Roma e depois publicadas com uma confirmação especial no breve Coelestis Jerusalém cives de 5 de julho de 1634. A partir desse momento, está fora de contestação, de fato como de direito, que somente o Soberano Pontífice pode proceder às beatificações e as canonizações.
Notemos que quando ele opera essa promulgação o papa pode recorrer a instrumentos que vão interferir anteriormente na canonização propriamente dita, fazendo o papel de conselhos destinados a esclarecer a prudência do legislador:
– Há o processo regularmente instruído: ele desemboca sobre a canonização formal. Esta pode se definir como a sentença que termina um processo regularmente aberto e segue com todo o rigor do procedimento para constatar juridicamente a heroicidade das virtudes praticadas pelo servidor de Deus e a verdade dos milagres pelos quais Deus manifestou essa heroicidade. Essa sentença é ordinariamente dada pelo Soberano Pontífice durante uma solenidade particular;
– Há também, no curso da história, o culto espontâneo da piedade popular: quando o papa se contenta de autenticar, trata-se de uma canonização equipolente. Esta se define, então, como a sentença que não termina um processo de canonização, mas que o Soberano Pontífice emite para ratificar o culto que, desde um tempo imemorável é publicamente dado a um servidor de Deus. É necessário que as virtudes heroicas e os milagres desse servidor de Deus, mesmo não tendo sido juridicamente constatadas, tenham sido trazidas por narrativas dignas de fé e façam o objeto da crença geral do povo cristão. Essa sentença é considerada como dada quando a Santa Sé impõe de preceito à Igreja universal a celebração da missa e a recitação do ofício em honra desse santo [6]. É nessa espécie de canonização que se arrumam a maior parte das que foram cumpridas antes de 1170 e é também nessa categoria que figuram os casos duvidosos [7].
B – O que é canonização?
A canonização é o ato solene pelo qual o Soberano Pontífice, julgando em última instância e, emitindo uma sentença definitiva, inscreve no catálogo dos santos um servidor de Deus, anteriormente beatificado. Por esse ato, o papa declara que aquele que ele acaba de elevar sobre os altares reina verdadeiramente na glória eterna, e ele ordena à Igreja universal lhe prestar, em todo lugar, o culto devido aos santos [8].
O autor da canonização é o chefe de toda a Igreja. Porque se trata da salvação eterna e, logo, do bem comum de toda a sociedade, somente a autoridade legítima tem o poder de promulgar a lei nesse domínio. A canonização equivale, então a um triplo julgamento soberano e definitivo pelo qual a Igreja afirma com autoridade:
a) Que tal pessoa está na glória eterna e, durante sua vida, praticou as virtudes sobrenaturais num grau heroico;
b) Que essa prática constitui para todos os fiéis da Igreja uma norma tão segura que nela se conformando, estão assegurados de participar da salvação eterna;
c) Que todo fiel deve dar sua adesão a esses dois julgamentos a) e b) e professar sua adesão tomando parte ao culto público que a Igreja vai, de hoje em diante, render ao santo canonizado para reconhecer oficialmente a heroicidade de sua virtude.
O santo é dado como exemplo por suas virtudes. Pelo culto que lhe é dado é a graça eminente que nós veneramos – através de sua pessoa – participação íntima na natureza de Deus.
Canonização e beatificação
a) Semelhanças: nos dois casos, o fim, o objeto e o autor são idênticos; e do ponto de vista da essência da lei, nos dois casos estamos diante de um julgamento que anuncia as virtudes heroicas de um santo ou de um bem-aventurado.
b) Diferenças: a beatificação não é um julgamento definitivo, mas sim um ato reformável que prepara a sentença de canonização, enquanto esta última é uma sentença irreformável.
A beatificação não é um preceito, mas uma permissão, enquanto a canonização é um preceito e constitui, então, uma obrigação.
A beatificação não é uma lei que obrigue a Igreja universal, mas um privilégio concedido a uma parte da Igreja universal (província eclesiástica, diocese, cidade, família religiosa), enquanto a canonização é uma lei cuja observação é prescrita à Igreja universal.
Infalibilidade
a) A beatificação não é um ato infalível
Em se tratando das beatificações realizadas pelos bispos antes de 1170, está fora de dúvida que elas não poderiam se beneficiar da infalibilidade, pois, de direito, são atos que emanam de um sujeito que não pode jamais ser infalível a título pessoal. De fato, a história mostra que erros foram cometidos [9].
Em se tratando das beatificações que, depois de 1170, ficaram como privilégio exclusivo da Sé apostólica, é verossímil que não são também atos infalíveis: esses atos, com efeito, não são definitivos, nem preceptivos; ora a infalibilidade só pode estar relacionada a um ato definitivo e preceptivo [10]. Um privilégio se aplica, por definição, a uma matéria não necessária. Poderia-se distinguir entre as beatificações equipolentes e as beatificações formais, dizendo que as segundas oferecem mais garantias que as primeiras e que, por consequência, a recusa de lhe conceder o assentimento que lhe é devido constituiria uma falta mais grave [11], sem para tanto atribuir a infalibilidade à beatificação. É preciso igualmente considerar o argumento da universalidade: a beatificação não introduz o culto ao bem-aventurado na Igreja universal. Ora, os atos infalíveis do magistério devem se estender à Igreja universal.
b) A canonização
O conjunto – quase unânime – dos teólogos até o concílio Vaticano I ensina que o papa, quando canoniza um santo, exerce a prerrogativa da infalibilidade. Citemos sobretudo: São Tomás [12] , Melchior Cano[13] e Bento XIV[14].
Há, de início, um argumento de direito: não é possível que o papa se engane canonizando um homem que seria reprovável, porque isso significaria ensinar algo contrário à fé e a moral, pois o papa ensinaria assim que poderíamos nos salvar imitando o exemplo de quem foi conduzido por suas más ações à danação.
Há também um argumento de fato que sublinha Bento XIV: nunca se achou um erro nas canonizações as quais os papas puderam proceder [15].
c) Valor dessa infalibilidade
É a opinião comum dos teólogos e a expressão de uma certa tradição na Igreja; mas não é ainda um dogma de fé solenemente definido. Aquele que negasse essa infalibilidade não poderia ser considerado como herético.
d) O caso do martirológio
A inscrição de um personagem no martirológio não significa a canonização infalível deste. O martirológio é a lista que abrange não somente todos os santos canonizados, mas ainda os servidores de Deus que puderam ser beatificados, seja pelo Soberano Pontífice, seja pelos bispos antes de 1170 [16]. E essas beatificações não são infalíveis [17]. Os títulos de “sanctus” ou de “beatus” não têm, no martirológio, a significação precisa que permitiria fazer a separação entre santo canonizado e bem-aventurado.
O objeto da canonização
É de início e antes de tudo é a santidade da pessoa e as virtudes heroicas que fazem par com a santidade. Os fatos miraculosos são secundários e ocasionais para atestar a heroicidade sobrenatural de suas virtudes. O sobrenatural dos milagres e dos fatos extraordinários não é evocado por si mesmo, mas somente para atestar a origem divina das virtudes e manifestar a eminente graça santificante.
Precisemos ainda: de que santidade se trata? Em que ela consiste precisamente?
Ela consiste na graça santificante possuída a um grau extraordinário, um tal grau de caridade divina que é acompanhada de virtudes infusas e adquiridas praticadas até o heroísmo. Esse heroísmo das virtudes é como o termómetro da santidade: lá onde tem santidade verdadeira, tem também virtude heroica, e lá onde as virtudes são praticadas num grau heroico e onde nenhuma virtude faz falta, há santidade. Não sendo a graça apreendida pelos sentidos, o julgamento sobre a santidade se fará a partir da heroicidade das virtudes.
As virtudes infusas sendo conexas entre si – contrariamente aos defeitos – o organismo espiritual do santo comportará então o conjunto das virtudes morais a um grau eminente; a menor falha nas virtudes morais infusas será o sinal de que não há, na pessoa em questão, um grau consumido de graça santificante.
Entretanto, a graça da caridade excede ao infinito a condição natural comum a todos os homens: ela é um dom gratuito que a natureza não saberia reivindicar como o que lhe é próprio. São Tomás adverte, a propósito da obtenção da salvação sobrenatural, que “o bem proporcionado à condição comum da natureza se realiza quase sempre, e só faz falta raramente. Enquanto o bem que excede o estado comum das coisas se acha realizado somente por um pequeno número, e a ausência desse bem é frequente” [18].
Podemos então tirar, a propósito da santidade e da virtude heroica que ela implica, a mesma conclusão que São Tomás estabelece falando da salvação eterna:
“Porque a santidade, que consiste na caridade perfeita, excede o nível comum da natureza, e, além disso, a partir do momento em que essa natureza foi privada da graça pela corrupção do pecado original, existem poucos homens santos. E mesmo nisso aparece soberanamente a misericórdia de Deus, que eleva alguns seres a uma santidade que falta ao maior número, segundo o curso e a inclinação comum da natureza” [19].
Há então dois motivos que explicam porque a santidade – e, logo, a canonização que a dá como exemplo – é coisa rara: há, de uma parte a transcendência absoluta da graça em relação à natureza, e há, por outro lado, a corrupção do pecado original. Acrescentamos um terceiro motivo. A santidade que é reconhecida pela canonização toma o valor de um exemplo; ora o que é dado como exemplo deve atrair a atenção e para isso apresentar alguma coisa de singular, de extraordinário no sentido etimológico. A linguagem corrente consagrou, aliás, essa verdade assimilando os dois vocábulos exemplar e único. Por isso a multiplicação dos santos leva a diminuir sua exemplaridade: mesmo se os santos fossem numerosos, um pequeno número dentre eles e não a maior parte deve fazer o objeto de uma canonização.
Conclusão: a santidade, fundamento de toda canonização, é um estado extraordinário de vida sobrenatural extraordinária, nesse sentido que está bem além da via comum.
Parte II: As Canonizações depois do Vaticano II
A essência da canonização nos leva a levantar as seguintes questões:
A – Concepção da santidade ontem e hoje.
B – Que santidade para os fiéis de hoje?
C – As consequências.
D – A noção de santidade depois do Vaticano II.
Mudanças de ordem quantitativa
Partamos do fato constatado por numerosos observadores: depois do Vaticano II, o número das beatificações e das canonizações toma proporções quantitativas inauditas. A lista seguinte dá uma ideia precisa:
– Século XVI: uma só canonização
– Século XVII: 10 canonizações com 24 santos
– Século XVIII: 9 canonizações com 29 santos
– Século XIX: 8 canonizações com 80 santos; sob Leão XIII (1878-1903): 4 canonizações com 18 santos
– Século XX: São Pio X (1903-1914): 2 canonizações com 4 santos
– Bento XV (1914-1922): 2 canonizações com 3 santos
– Pio XI (1922-1939): 17 canonizações com 34 santos
– Pio XII (1939-1958): 21 canonizações com 33 santos
– João XXIII (1958-1963):7 canonizações com 10 santos
– Paulo VI (1963-1978): 20 canonizações com 81 santos
– João Paulo II (1978 a 2002): Escrivá de Balaguer é a 468ª pessoa canonizada por esse papa.
Até Paulo VI as canonizações eram atos solenes do Pontífice Romano excepcionais. Depois do Vaticano II isso mudou: João Paulo II efetuou mais canonizações que cada um de seus predecessores do século XX e mais também que todos seus predecessores desde a criação da Congregação dos Ritos por Sixto V em 1588. O próprio João Paulo II explicou esse crescimento do número de canonizações num discurso aos cardeais no consistório em 13 de Junho de 1984:
“Dizem que hoje há muitas beatificações. Mas além do fato de que isso reflete a realidade de que a graça de Deus é o que ela é, isto corresponde também aos desejos do Concílio. O Evangelho está de tal maneira difundido no mundo e sua mensagem está enraizada tão profundamente que é precisamente o grande número de beatificações que reflete de modo vivo a ação do Espírito Santo e a vitalidade que jorra no domínio mais essencial para a Igreja, o da santidade. É, de fato, o Concílio que iluminou de modo particular o apelo universal a santidade”.
Então essa mudança de ordem quantitativa tem por causa uma mudança de ordem qualitativa. Se as canonizações são agora mais numerosas, é porque a santidade que testemunha a canonização possui uma significação diferente: a santidade não é mais coisa rara, extraordinária, mas algo de comum.
“João Paulo II fez mais canonizações que fizeram todos os papas desse século. Mas dessa maneira, não se mantém a dignidade da canonização. Se as canonizações são numerosas, elas não podem ser, não diremos válidas, mas tomadas em consideração, nem ser objeto de veneração por parte da Igreja universal. (…) Se as canonizações se multiplicam, seu valor diminui” [20].
Mudanças de ordem qualitativa
Vamos tentar explicar porque, segundo a lógica do Vaticano II, a santidade não é mais algo de extraordinário. A nova teologia nos ajudará a compreender.
a) Os fundamentos da nova concepção da santidade
Vaticano II introduziu uma nova religião ligada a uma nova teologia, e segundo essa nova teologia (tal como explicita o ensinamento pontifício ordinário de João Paulo II) a Redenção é concebida como um simples testemunho existencial permitindo aos homens tomar consciência interiormente da sua dignidade enquanto pessoa humana:
“O Cristo, Redentor do mundo, é aquele que penetrou, de uma maneira única e absolutamente singular, no mistério do homem. É então a justo título que o Concílio Vaticano II ensina isto: “Na realidade, Cristo, na própria revelação do mistério do Pai e de seu amor, manifesta plenamente o homem a si mesmo e lhe descobre a sublimidade de sua vocação [21]”
“Tal é, se podemos dizer assim, a dimensão humana do mistério da Redenção. Nessa dimensão, o homem encontra a grandeza, a dignidade e o valor próprio de sua humanidade. Se ele deixa esse processo se realizar profundamente em si, ele produz frutos não somente de adoração para com Deus, mas também de profundo agrado por si mesmo. Que valor deve ter o homem aos olhos do Criador se ele “mereceu ter um tal e um tão grande Redentor [22]”, se “Deus deu seu Filho” a fim de que, o homem, “não se perdesse, mas que ele tivesse a vida eterna [23]”! [24]
“Como a missão da Igreja consiste em aplicar os frutos da Redenção, a Igreja teria por fim essencial promover essa dignidade da pessoa humana e de fazer todos os homens tomarem essa consciência. Essa profunda admiração diante do valor e da dignidade do homem se exprime na palavra Evangelho, que quer dizer Boa Nova. Ela é ligada também ao cristianismo. Essa admiração justifica a missão da Igreja no mundo” [25].
“O Concílio Vaticano II, em diversas passagens desses documentos, exprimiu essa solicitude fundamental da Igreja, a fim de que a vida nesse mundo seja “mais conforme a eminente dignidade do homem” [26] em todos os pontos de vista, para torna-la “sempre mais humana” [27]. Em nome dessa solicitude, como lemos na constituição pastoral do Concílio, “a Igreja é por sua vez o sinal e a salvaguarda do carácter transcendente da pessoa humana” [28]” [29].
Ora, a dignidade da pessoa humana se funda na liberdade de consciência: é então esta última que a Igreja vai se esforçar de manifestar e de defender.
“Por isso, a Igreja de nosso tempo concede uma grande importância em tudo o que o Concílio Vaticano II expôs na declaração sobre a liberdade religiosa. A declaração sobre a liberdade religiosa manifesta-nos de maneira convincente que, anunciando a verdade que não provém dos homens, mas sim de Deus, Cristo, e em seguida seus Apóstolos, conservam uma profunda estima pelo homem, por sua inteligência, sua vontade, sua consciência e sua liberdade. Desse modo, a dignidade da pessoa humana vem fazer parte ela própria desse anúncio, mesmo sem recorrer às palavras, pelo simples comportamento diante dele. Quer dizer que a Igreja, em virtude de sua missão divina, se torna cada vez mais guardiã dessa liberdade, que é condição e fundamento da verdadeira dignidade da pessoa humana” [30].
Viver dos frutos dessa Redenção será então fazer com que “a dignidade da pessoa humana seja o objeto de uma consciência sempre mais viva e que sempre mais numerosos sejam aqueles que reivindiquem para o homem a possibilidade de agir em virtude de suas próprias opções e com toda a livre responsabilidade” [31]. Viverá então santamente aquele que terá uma consciência aguda dessa dignidade da pessoa humana e que a respeitará celebrando a liberdade do homem, sobretudo em matéria religiosa.
São Tomás diz que a santidade se exprime ao mais alto ponto no exercício do culto pelo qual o homem dá a Deus o que lhe é devido [32].
A nova santidade corresponde assim, logicamente, a um novo culto: o culto do homem, do qual falou Paulo VI [33], culto pelo qual a Igreja dá ao homem a dignidade que lhe é devida favorecendo sua liberdade. O homem santo, no sentido novo do termo, é então, o homem tolerante. A tolerância se substitui assim à caridade teologal e se torna a virtude primordial que serve de fundamento à nova santidade, segundo o Vaticano II e Dignitatis humanae.
Acrescentamos que o novo santo não é somente o homem tolerante, mas é também o homem que propaga as virtudes naturais. A santidade “nova” perde de vista sua relação com o sobrenatural, ela se reduz frequentemente a perseguições de causas humanas, o que é uma consequência lógica da concepção naturalista da nova religião.
Na canonização de Zdislava da Boêmia, em 21 de maio de 1995, essa nova concepção aparece bem nítida.
“A santidade consiste na capacidade de se dar aos outros e na acolhida da vida. Seu exemplo (de Zdislava) aparece eminentemente atual, sobretudo em relação ao valor da família que, como ela nos ensina, deve ser aberta a Deus, ao dom da vida e as necessidades dos pobres. Nosso santo é uma admirável testemunha do “Evangelho da família” e do “Evangelho da vida” que a Igreja mais que nunca, se esforça por difundir nessa passagem do segundo para o terceiro milénio cristão. Famílias da Boémia, famílias da Morávia, tesouro inestimável dessa nação, sejam o que são no plano de Deus, seguindo o exemplo de seus santos! E você, Zdislava de Lemberk, guie as famílias da pátria e do mundo inteiro para o conhecimento sempre mais profundo de sua missão, torne-as abertas ao dom, você, mãe doce e forte, caridosa e piedosa!” [34]
b) Essa nova concepção explica porque a santidade é um fato comum, ordinário.
Ser santo, de agora em diante, é aceder a essa revelação segundo a qual o Cristo redentor manifesta o homem a si mesmo. A santidade consiste numa tomada de consciência, e basta ao homem, para se tornar santo, descobrir o que ele já é em Cristo. Só há então uma simples passagem do implícito ao explícito, o que reduz a nada toda a transcendência: a santidade não é mais um ideal que excede a condição comum da humanidade; ao contrário, ela se situa no prolongamento lógico dessa condição porque ela não é outra coisa além da tomada de consciência dessa condição no que funda sua dignidade. Se retomarmos o princípio enunciado acima por São Tomás aplicando a essa nova situação, devemos dizer que a santidade sendo o bem proporcionado à condição comum da natureza, se realiza quase sempre, e só falta raramente. [35]
Segue-se que a santidade, quando torna-se o objeto de uma canonização, não é mais dada como exemplo a imitar, mas como um sinal. Há nisso uma diferença:
– O exemplo a imitar se dirige à inteligência prática e à vontade; ele indica o que não é ainda e que deve se realizar. Na concepção tradicional, a canonização é assim definida como uma lei que indica quais são as virtudes heróicas a adquirir seguindo o exemplo de um santo;
– O sinal se dirige à inteligência pura, e indica o que já é, mas que não é percebido perfeitamente: o sinal manifesta-o mais perfeitamente.
Com a nova concepção herdada do Vaticano II, a santidade se torna um sinal: aqueles que já tomaram consciência da dignidade de sua natureza humana e que a defendem, são indicados aos outros, a fim de que estes acedam por sua vez a essa tomada de consciência.
“O santo é o testemunho mais brilhante da dignidade conferida ao discípulo de Cristo” [36].
“Sobre a vocação universal a santidade, o Concílio Vaticano II se exprimiu com termos luminosos. [37]
“A vocação à santidade deve ser percebida e vivida pelos fiéis leigos, menos sob um aspecto de obrigação exigente e incontornável, do que como um sinal luminoso de amor infinito do Pai que lhes regenerou a sua vida de santidade” [38].
Ora, nessa perspectiva, ter-se-ia o interesse em multiplicar os sinais, porque essa multiplicidade adquire ela própria um valor significante: o peso do número de todos aqueles que são conscientes de sua dignidade confere uma eficácia maior a essa revelação onde Cristo manifesta o homem a si mesmo. Mais as canonizações se multiplicam, mais os santos são numerosos, melhor é significada a dignidade do homem. [39]
B – Que santidade para os fiéis de hoje?
Mesmo se o exemplo das virtudes heroicas não é excluído, o exemplo dado nas canonizações corresponde a novas virtudes, bem relacionadas com a visão do concílio: a santidade se torna um dos elementos que concorrem à unidade ecumênica. Mais ainda, alguns santos com a virtude reconhecida são utilizados para difundir a mensagem do concílio: é o que chamamos de a instrumentalização das canonizações, isto é, o uso de um objeto (em ocorrência a verdadeira santidade) para fins estranhos.
O exemplo do ecumenismo
O ecumenismo é um crivo pelo qual devem passar as causas da canonização, um pouco como o Secretariado pela unidade dos cristãos foi durante o concílio, o filtro pelo qual deviam passar todos os textos conciliares.
Assim, não somente algumas causas são promulgadas ou vidas de santos são explicadas num contexto novo, mas outras causas são paradas, o ecumenismo obriga. Um exemplo espantoso, mas que fez pouco barulho em razão da discrição da Congregação pela causa dos santos foi a parada da causa de Isabel a Católica, em 1992. Os bispos de Valência, Sevilha e Ávila tinham engajado a dita congregação a fazer avançar a causa para chegar a uma beatificação em 1992, no quadro do Quinto centenário da descoberta das Américas. A fim de não chocar a comunidade judia, a causa foi parada pelos “artesãos católicos do diálogo judeu-cristão. Tiveram que intervir também, muito oficiosamente, o Conselho pontifício pela unidade dos cristãos (relações com o judaísmo), a Secretaria de Estado e, certamente, o próprio João Paulo II” [40].
O espírito ecumênico transparece particularmente quando a pessoa a ser canonizada está inserida numa região de maioria não católica. A canonização é então empregada como meio de lançar pontes para outras religiões. Melhor ainda, pudemos assistir a releituras ecumênicas de vidas de santos já canonizados. Assim, santa Brígida da Suécia se torna um centro de unidade para os luteranos e católicos:
“É para mim uma grande alegria saber que na Suécia ela é amada e venerada tanto pelos luteranos quanto pelos católicos. Sua vida e sua obra constituem então uma herança que nos une. Santa Brígida é como um centro de unidade. “Senhor, mostre-me o caminho e disponha-me a segui-lo!”. São as palavras de uma das orações, que se recita ainda hoje na Suécia. (…) “Senhor, mostre-me o caminho e disponha-me a segui-lo”. Essa invocação pode constituir o programa do movimento ecumênico. O ecumenismo é uma viagem que se efetua junto mas que não é possível fixar o percurso nem a duração. Não sabemos se o caminho será fácil ou difícil. Sabemos somente que é nosso dever seguir junto essa viagem. (…) Santa Brígida consagrou toda sua existência a esse ardente desejo divino de reconciliação e de comunhão entre todos os membros do povo cristão. (…)” [41]
Depois das festividades do Sexto centenário da canonização de Santa Brígida, João Paulo II se dirigiu aos cardeais nesses termos:
“A recente Assembleia (Sínodo dos bispos da Europa) foi caracterizada pela presença de delegações de diversas Confissões cristãs que, sobre um pé de igualdade, tomaram parte nos trabalhos. Os encontros, os colóquios e as orações comuns – eu queria lembrar em particular a liturgia ecumênica que se desenrolou na basílica vaticana de sete de Dezembro – pôs em relevo a necessidade de prosseguir o diálogo ecumênico, na procura da unidade e da comunhão. (…) Será este ecumenismo da verdade e da caridade que fará dos cristãos os profetas críveis de esperança e de solidariedade aos olhos do mundo. Sobre esse caminho difícil, que nos ajudem os santos patronos da Europa: São Bento, São Cirilo e São Metódio. Que interceda por nós, particularmente, Santa Brígida, que celebramos recentemente o sexto centenário da canonização. Esse aniversário tomou um valor significativo, constituindo um passo importante no diálogo ecumênico. O exemplo dessa santa e a lembrança da missão que ela cumpriu ao serviço da unidade da Igreja representam um motivo de encorajamento por todos aqueles que estão engajados na nova evangelização da Europa” [42].
Numa homilia pronunciada em 1995, em Kosice (Eslováquia), quando da canonização dos três mártires, João Paulo II evoca os “Os mártires das outras Confissões religiosas”:
“Caros irmãos e irmãs! A liturgia desse dia nos convida a reflectir sobre os fatos trágicos do início do século XVII, iluminando, de uma parte, o absurdo da violência que se enfurece contra as vítimas inocentes e de outro o esplêndido exemplo de tantos discípulos de Cristo que souberam afrontar sofrimentos de todo gênero para não renegar o que lhe ditava sua consciência. Ao lado dos três mártires de Kosice, de fato, muitas pessoas, pertencendo também de outras Confissões cristãs, foram submetidas a torturas e sofreram pesadas condenações: algumas até foram mortas. Como não reconhecer, por exemplo, a grandeza espiritual dos vinte e quatro fiéis pertencentes às Igrejas evangélicas, mortas em Presov? A estes e a todos aqueles que aceitaram os sofrimentos e a morte para ficar com a consciência coerente com suas próprias convicções, a Igreja dá o louvor que eles merecem e exprime sua admiração.(…)”
O emprego do termo “mártir” é equívoco e traz confusão. O martírio é a morte sofrida como testemunho da verdadeira fé, o que supõe um grau eminente de caridade. Não se pode falar em mártir numa falsa religião, em razão da interdependência verdade/caridade; aquele que dá testemunho de uma falsa religião não pode ser, objetivamente, um mártir.
Isto não tira nada dos méritos pessoais de pessoas que sofrem na sua carne para defender sua fé, mesmo que seja objetivamente falsa. Além disso, é possível que elas sejam realmente mártires, se eles morrem para defender um ponto de fé católica; entretanto mesmo nesse caso a Igreja não pode lhes declarar mártires, pois ela não pode julgar desse ponto, totalmente interior. Bento XIV explica que essas pessoas são mártires diante de Deus, e receberão uma recompensa de mártir, mas elas não são mártires diante da Igreja que não pode declará-las como tal. É bem evidente que um tal caso só pode se produzir se essa pessoa está na ignorância invencível diante da verdadeira fé.
Este ponto de teologia capital parece estar completamente esquecido como confirma uma passagem da mesma homilia:
“Eu faço alusão também a esse martirológio na minha Carta apostólica Tertio millennio adveniente [43], pedindo para se pôr em dia, depois de atrozes experiências de nosso século, lhe completando com os nomes dos mártires que nos abriram caminho para o terceiro milénio (cf. n.37). O mártir nos une a todos os que crêem em Cristo, no Oriente como no Ocidente, com os quais esperamos ainda participar da plena comunhão eclesial (cf. n.34)”.
O papa evoca ainda:
“O respeito dos direitos das minorias. Quero então dizer minha alegria de poder acrescentar hoje esses novos nomes ao martirológio da Igreja que está em Eslováquia, e espero que isto constitua um encorajamento para todas as Igrejas irmãs, especialmente para as da Europa central e oriental. Os três novos santos pertenciam a três nações diferentes, mas dividiam a mesma fé e, sustentados por ela, souberam afrontar unidos a própria morte. Que seu exemplo reaviva nos compatriotas o engajamento a compreensão recíproca e reforce, sobretudo entre os Eslováquios e a minoria húngara os laços de amizade e de colaboração. Somente sobre a base do respeito mútuo dos direitos e dos deveres das maiorias e das minorias que um Estado pluralista e democrático pode viver e prosperar. (…) ”
Algumas outras citações podem ilustrar a omnipresença do tema ecumênico misturado à santidade:
“O testemunho dado a Cristo até o sangue se tornou um patrimônio comum aos católicos, aos ortodoxos, aos anglicanos e aos protestantes, como já notava Paulo VI na sua homilia da canonização dos mártires ugandenses”. (Tertio millenio adveniente, nº 37).
“Era ao mesmo tempo uma peregrinação ecumênica: primeiro ao santuário dos mártires da Igreja anglicana, depois ao templo construído em honra de são Charles Lwanga e seus 21 companheiros católicos”.(Audiência geral de 18 de fevereiro de 1993).
“No memorando já citado, sobre o tema da preparação do grande Jubileu, sublinhei a oportunidade de constituir um martirológio contemporâneo que leve em conta todas as Igreja locais, também numa dimensão e uma perspectiva ecumênica. Há tantos mártires nas Igrejas não católicas: dos ortodoxos do oriente, mas também dos Protestantes.” (Alocução ao Consistório extraordinário de 13 de Junho de 1994).
O fundamento desse ecumenismo dos santos é uma consequência da nova concepção da santidade. Assim, segundo esta nova concepção, Cristo Redentor opera a salvação e a santidade revelando aos homens a dignidade de sua condição, a qual acha seu fundamento na liberdade de consciência: o principal fundamento não é a verdade, à qual o homem adere livremente, não é mais o objeto ao qual a consciência individual se submete; é a liberdade da consciência humana, é o sujeito.
Ora, essa consciência individual do homem é o que faz com que um homem creia que Deus seja o que Ele não é para um outro homem. O homem professa uma religião qualquer e, nessa profissão, ele é de qualquer modo respeitável, porque ele celebra sua interioridade transcendente. Por consequência, todas as religiões se tornam meios de salvação, porque elas são todas possibilidades de expressões da dignidade adquirida ao homem por Cristo:
“Cristo, Verbo Encarnado é a realização da aspiração de todas as religiões do mundo e por isso mesmo ele é completamente único e definitivo”[44].
Eis o que passa a ser um santo: o homem que professa livremente sua religião, e que tem consciência da dignidade que essa profissão livre lhe confere. E todo homem pode ser santo dessa santidade, em qualquer religião: em plenitude, na religião católica; de modo parcial, mas também real, nas outras:
“O Concílio diz que “a Igreja de Cristo está presente” na Igreja católica, e reconhece ao mesmo tempo que, “fora do conjunto orgânico que ela forma, acha-se muitos elementos de santificação e de verdade, que, enquanto dons próprios da Igreja de Cristo, levam à unidade católica”[45]. “Por consequência, essas Igrejas e suas comunidades, elas próprias separadas, mesmo se achamos que elas sofrem deficiência, não são nulamente desprovidas de significação e de valor no mistério da salvação. De fato, o Espírito de Cristo não recusa de se servir delas como meios de salvação, da qual a virtude deriva da plenitude mesma da graça e da verdade que foi confiada a Igreja católica”. Na medida em que esses elementos de santificação e de verdade se acham nas outras comunidades cristãs, há uma presença ativa da única Igreja de Cristo nelas. Por isso o Concílio Vaticano II fala de uma comunhão real, mesmo se ela é imperfeita”. [46]
Há então uma comunhão de santidade que transcende as diferentes religiões, e essa transcendência manifesta a ação redentora de Cristo e a efusão de seu Espírito sobre toda a humanidade, preparando assim a via para a unidade ecuménica perfeita:
“O ecumenismo dos santos é talvez o que convence mais. A via da communio sanctorum é mais forte que a dos fatores de divisão”[47].
“Graças ao brilho do “patrimônio dos santos” pertencendo a todas as Comunidades, o “diálogo da conversão” a unidade plena e visível aparece então sob a luz da esperança. A presença universal dos santos dá, de fato, a prova da transcendência do poder do Espírito. Ela é sinal e prova da vitória de Deus sobre as forças do mal que dividem a humanidade” [48].
“Mesmo de maneira invisível, a comunhão ainda imperfeita de nossas comunidades é na verdade solidamente soldada pela plena comunhão dos santos, quer dizer daqueles que, ao termo de uma existência fiel à graça, estão na comunhão de Cristo glorioso. Esses santos provêm de todas as Igrejas e Comunidades eclesiais que lhes abriram a entrada na comunhão da salvação. Quando se fala de um património comum, deve-se aí incluir não somente as instituições, os ritos, os meios de salvação, as tradições que todas as Comunidades conservaram e pelas quais foram formadas, mas em primeiro lugar e antes de tudo essa realidade da santidade”.[49]
O que resta então da canonização? Ela seria somente o meio ao qual recorre a Igreja católica para significar ao mundo essa dignidade da condição humana, tal qual ela se manifesta em plenitude no seu seio. A canonização corresponde a um exemplar primordial, ao qual podem participar mais ou menos as diferentes confissões religiosas.
Santos que veicularam e realizaram a mensagem da religião do concílio
Em algumas beatificações/canonizações, o fim real não pode ser o destaque das virtudes heroicas das pessoas concernidas – porque é manifesto que elas não chegaram à heroicidade – mas a consagração definitiva do Concílio Vaticano II como o “novo Pentecostes da Igreja”, ou ainda uma de suas ideias mestras. Assim é a beatificação de João XXIII, a introdução da causa de Paulo VI e da canonização de Josémaria Escrivá de Balaguer.
A beatificação de João XXIII
A causa de João XXIII é inseparavelmente apresentada com a do concílio e sua nova mensagem.
“Este pontífice promulgou o ecumenismo, se preocupou em entreter as relações de fraternidade com os ortodoxos do Oriente que ele tinha conhecido na Bulgária e em Istambul, manteve relações mais intensas com os Anglicanos e com o mundo diferenciado das Igrejas protestantes. Ele pôs tudo em obras para levantar as bases de uma nova atitude da Igreja católica para com o mundo judeu, fazendo uma abertura decisiva ao diálogo e a colaboração. Em 4 de Junho de 1960, ele criou o Secretariado para a unidade dos cristãos. Ele promulgou duas encíclicas significativas. ‘Mater et Magistra’ (20 de maio de 196l) sobre a evolução social a luz da doutrina cristã e ‘Pacem in terris’ (ll de abril de 1963) sobre a paz entre todas as nações. Ele visitou hospitais e prisões e se mostrou sempre próximo, pela caridade, das pessoas sofridas e dos pobres da Igreja e do mundo”. [50]
Tirando a dedicação às obras de misericórdia corporal, todas as virtudes de João XXIII são “virtudes ecuménicas”.
No seu sermão de Pentecostes de 2001, o papa João Paulo II homenageia João XXIII, por ocasião do 38º aniversário de sua morte [51].
“O Concílio ecuménico Vaticano II, anunciado, convocado e aberto pelo papa João XXIII, foi consciente dessa vocação da Igreja. Pode-se bem dizer que o Espírito Santo foi o protagonista do concílio, desde o instante em que o papa o convocou, declarando que ele tinha acolhido como vindo do alto uma voz interior que se impôs ao seu espírito. Essa “brisa leve” tornou-se um “violento vendaval” e o acontecimento conciliar tomou a forma de uma nova Pentecostes. “É de fato na doutrina e no espírito de Pentecostes – afirma o papa João – que o grande acontecimento que é o concílio ecuménico tira sua substância e sua vida”. (Discorsi, p.398) [52]
Na homilia da missa de beatificação, o parágrafo principal sobre João XXIII evoca igualmente o profeta do concílio:
“A onda de novidades que ele trouxe não concernia certamente a doutrina, mas sim a maneira de expô-la: nova era sua maneira de falar e agir, novo era o impulso de simpatia com o qual ele ia entre as pessoas comuns como entre os poderosos da terra. Foi nesse espírito que ele convocou o concílio ecuménico Vaticano II, graças ao qual abriu uma página nova na história da Igreja: os cristãos se sentiram chamados a anunciar o evangelho com uma coragem renovada e uma maior atenção aos “sinais dos tempos”. O concílio foi verdadeiramente uma intuição profética desse pontífice idoso que inaugurou, no meio de diversas dificuldades, uma era de esperança para os cristãos e para a humanidade.”[53]
Essa “nova maneira de falar e de agir” é bem relatada por Yves Marsaudon, maçom notório, que, na sua obra "O ecumenismo visto por um franco-maçom de tradição" relata seus contatos frequentes e amigáveis com Mons. Roncalli, núncio apostólico em Paris. Essa “nova maneira de falar e de agir” não releva do temperamento, do estilo pessoal de João XXIII, mas é uma maneira de abordar o mundo (no sentido evangélico), inimigo de Jesus Cristo, e aqueles que são do mundo. Marsaudon confidencia como Mons. Roncalli tinha emitido reservas no momento da promulgação do dogma da Assunção, e isso por “prudência” ecuménica: “Ele pensava perpetuamente “nos outros” e com o efeito que poderia produzir sobre os cristãos separados tal ou qual inovação.“ [54]
A introdução da causa de Paulo VI
Para João XXIII, os promotores da causa se esforçaram em por em evidência sua bondade legendária; melhor se diria, seja de bonomia natural [55], seja de falta de prudência, nós voltaremos a falar disso depois. Para Paulo VI, não há nada disso. Paulo VI não foi nem apreciado, nem admirado; nem por seus amigos, menos ainda por seus inimigos. E, portanto, sua causa foi introduzida em 11 de maio de 1993, seguindo o pedido da conferência episcopal italiana: é uma nova prova da instrumentalização.
Quando foi anunciada a introdução do processo, o cardeal Ruini, vigário do papa para a diocese de Roma fez uma evocação da personalidade de Paulo VI, evocação que não deixa dúvidas quanto às intenções de levá-lo aos altares; trata-se, de fato, de exaltar sua obra, a reforma resultante do concílio:
“A cidade de Roma, essa cidade-diocese, única no mundo por sua história e sua missão, por sua universalidade e seus problemas específicos, que o teve por bispo e sucessor de Pedro durante 15 anos, sabe o que deve a Paulo VI. Os frutos de seu ministério difícil e universal se voltaram antes de tudo sobre ela. Depois de ter recolhido a herança de João XXIII, Paulo VI, guiando as últimas sessões do Concílio Vaticano II e lhe conduzindo felizmente ao seu término, tomou sobre si o encargo de inscreve-lo nas estruturas, de difundir e aplicar as decisões conciliares.
Roma enriqueceu-se de novos dicastérios pontificais, respondendo as exigências pastorais indicadas pelo Concílio e aos anseios de um mundo em evolução rápida e em marcha para uma grande unidade. A Igreja fez a aprendizagem de uma nova maneira de rezar em coro ao curso da santa liturgia, de um novo espírito no julgamento dado sobre o mundo, relações novas com os fiéis das outras igrejas e confissões cristãs, com nossos irmãos mais velhos judeus, com os não cristãos, com os não crentes.
A Igreja aprofundou sua nova relação com os Livros santos, pelo esforço missionário, a devoção marial, a cultura, a arte, a ciência. Paulo VI foi o iniciador das grandes viagens missionárias que o levaram, ele e seu sucessor João Paulo II, perto das comunidades do mundo inteiro e até nas assembleias das mais altas instâncias da sociedade, a fim de testemunhar o amor de Pedro pelo homem e pela paz universal.”[56]
A vontade de canonizar o papa Paulo VI procede de causas superiores, a “causa” por excelência, a do concílio Vaticano II e para promovê-la, as canonizações de João XXIII e de Paulo VI são meios excelentes.
A canonização de Josémaria Escrivá de Balaguer
A canonização de Mons. Escrivá De Balaguer está estreitamente relacionado com o concílio na medida em que, ideologicamente, Balaguer foi um precursor do concílio. Numa curta biografia publicada sobre o site da internet do Vaticano, pode-se ler:
“Desde que João XXIII anuncia que convoca um concílio ecuménico, o bem-aventurado Josémaria se põe a rezar e a fazer rezar pela feliz realização dessa grande iniciativa que é o concílio ecuménico Vaticano II, como ele escreve numa carta em 1962.
O magistério solene da Igreja vai então confirmar aspectos fundamentais do espírito da Opus Dei, o chamado universal à santidade, o trabalho profissional enquanto meio de santidade e de apostolado, o valor e os limites legítimos da liberdade do cristão nos assuntos temporais, a santa missa como centro e raiz da vida interior, etc.
O bem-aventurado Josémaria encontra numerosos padres conciliares e muitos peritos que vêem nele um autêntico precursor de muitas linhas mestras do Vaticano II. Profundamente identificado a doutrina conciliar, ele promove sua colocação em prática, com diligência, através das actividades de formação da Opus Dei em toda parte no mundo.”
Consequências dessa nova concepção da santidade:
A falta de preocupação de ortodoxia doutrinal
A ortodoxia doutrinal sendo um critério determinante no antigo processo, a tal ponto que a menor suspeita interromperia imediatamente uma causa, mesmo se o personagem parecesse ter vivido heroicamente todas as virtudes.
O que dizer então de João XXIII que se calava quando se falava da infalibilidade pontifical [57], ou da beatificação do cardeal Ferrari, arcebispo de Milão, que não teve força contra o modernismo na sua diocese a ponto de São Pio X ter que reagir e recuperá-la?
É conhecido que o cardeal Ferrari, melindrado no seu amor-próprio, nunca quis admitir que o modernismo estava em sua diocese e até em seu seminário. Ele defendia publicamente jornais tingidos de modernismo e chegou até a contestar um pouco o papa São Pio X diante dos seminaristas. [58]
Sobre a ortodoxia doutrinal de Josémaria Escrivá de Balaguer, precursor em alguns domínios da doutrina errada do Vaticano II, nós voltaremos ao artigo que lhe é consagrado.
Estes processos levantam um problema real quanto a retidão dos processos sobre a questão doutrinal.
As deficiências de procedimento
As deficiências do procedimento de canonização podem ser deduzidas por dois caminhos.
– Uma maneira essencial, pelas modificações do próprio processo. O leitor achará nas colunas dessa mesma revista uma comparação dos processos de canonizações antes e depois do Concílio.
– Uma maneira mais acidental, porém reveladora, pelas irregularidades constatadas.
O milagre atribuído a Madre Teresa [59] suscita uma polémica na Índia entre os médicos, os quais afirmam que o tumor canceroso de Monika Besra foi tratado no hospital. De fato, se a doença foi cuidada, não se pode declarar miraculosa a cura, mesmo súbita, sem contradizer as regras de procedimento que não considera o caso de um doente tratado com medicamentos. Além disso, não é evidente demonstrar – caso houvesse um verdadeiro milagre – que se possa atribui-lo à intercessão de Madre Teresa, pois pouco antes da cura a medalha milagrosa tinha sido imposta à doente. [60]
O que dizer das supostas virtudes heroicas de João XXIII? Muitas vozes se levantaram, tanto do lado progressista quanto do lado tradicional, para pedir para não confundir uma caridade heroica com uma “bondade” que se aparenta a bonacheirice ou talvez a fraqueza. Nós damos referência dos diferentes estudos que apareceram sobre esse assunto e que convergem todos para a mesma conclusão: parece impossível falar de heroicidade das virtudes. [61]
Conclusão
O que é a santidade para a Igreja do Vaticano II?
Eis a questão que está no coração do problema das novas canonizações. Os elementos que examinamos nos revelam uma nova concepção da santidade. Essa concepção influi sobre a Igreja e seus membros, a tal ponto que a noção do que é realmente a santidade se apaga pouco a pouco no povo católico, e também – sobretudo – no clero e nas comunidades religiosas. A onda de abandono do sacerdócio e da vida religiosa que seguiu depois do Vaticano II é uma marca reveladora.
A intenção do papa é determinante quanto à infalibilidade de seus atos. Em que medida o papa João Paulo II quer executar verdadeiras canonizações que tenham a marca da infalibilidade? Os diferentes indícios recolhidos em seus discursos e suas homilias tendem a mostrar que sua intenção não se identifica mais com aquela que animou seus predecessores.
No ambiente de confusão atual do magistério, não podemos nos basear sobre feitos pontuais para termos noção da intenção do papa. Mas se consideramos o conjunto de sua obra, somos forçados a constatar que ele sempre repugnou colocar um ato infalível. (Como por exemplo, no caso do documento sobre a recusa da ordenação das mulheres). Como o papa quererá obrigar o conjunto dos fiéis a aceitar colocar sobre os altares simultaneamente o Padre Pio e Mons. Balaguer? O segundo encorajou e, em certos domínios, antecipou-se às reformas do concílio, destruidoras da Igreja; o primeiro as amaldiçoou. [62] João XXIII introduziu – convocando o concílio – com grande pompa, o liberalismo e o modernismo na Igreja, Pio IX os condenou.
Não duvidamos da heroicidade das virtudes de algumas pessoas canonizadas por João Paulo II. Mas é preciso reconhecer que elas se santificaram e que atingiram um grau extraordinário de graça e de virtude pelos meios tradicionais. A espiritualidade na qual se santificou um Padre Pio é a antítese mais radical da nova missa de Paulo VI. [63]
O fato de que um Padre Pio seja canonizado no ambiente da nova missa envolve uma confusão de espíritos. A utilização de causas sãs e santas em proveito da pregação da nova religião é um dos golpes de mestre de Satanás. [64]
Notas:
[1] Somente as canonizações sendo consideradas pelos teólogos como infalíveis, nosso estudo nos leva diretamente a estas. Entretanto, dado que o mesmo espírito anima tanto as canonizações quanto as beatificações, faremos às vezes uso de alguns exemplos de beatificações.
[2] Bento XIV: de Servorum Dei beatificatione et de Beatorum canonizatione, livro l, capítulo 39.
[3] Tal é a opinião dada por Bento XIV no seu Servorum Dei beatificatione et Beatorum canonizatione, livro, capítulo 10, §6: “É certo que nenhum bispo nunca pode proceder a verdadeiras canonizações; de fato, o poder de prescrever que um fiel seja honrado como santo na Igreja universal por um culto público, não pode e nunca pode se voltar para aquele que possui uma jurisdição restrita a uma diocese ou a uma província, mas deve pertencer somente àquele que tem o poder sobre a Igreja universal.”
[4] Ortolan, artigo “Canonisation”, Dictionaire de Théologie Catholique (DTC), tomo 4, col.1632.
[5] Livro 3 dos Décrétales, título 45, capítulo l.
[6] Por exemplo, canonizações de são Venceslau, duque de Boémia e mártir, morto em 929 e cujo ofício foi imposto a Igreja universal por Bento XIII em 14 de Março de 1729; ou a de santa Margarida rainha da Escócia, morta em 1093 e cujo ofício foi imposto por Inocêncio XII em 15 de Setembro de 169l.
[7] O mais famoso é o de Carlos Magno. O antipapa Pascal III, que se levantou contra o papa legítimo Alexandre III, sob as instâncias do imperador Frederico Barbaroxa, tinha inscrito Carlos Magno no catálogo dos santos, em 29 de Dezembro de 1165. Ora, nenhum culto público tinha sido até então rendido a esse príncipe. Essa canonização, obra de um antipapa, nunca foi nem oficialmente aprovada nem oficialmente reprovada pela Santa Sé. Os autores se dividem sobre esse assunto. Bento XIV pensa que nenhuma condição necessária falta para que se possa tratar esse caso não como de uma canonização, mas de uma beatificação equipolente (de Servorum Dei, livro l, capítulo 9, § 4).
[8] Cf. Belarmino e Bento XIV.
[9] Bento XIV, op. cit., livro l, capítulo 42, §6-7.
[10] Prova dessa menor: a causa final da infalibilidade é de assegurar a unidade da fé; ora a unidade de fé, que é o bem comum de toda sociedade eclesiástica, deve ser assegurada por um ato definitivo e preceptivo.
[11] Bento XIV, op. Cit., Livro l, capítulo 42, § 9-10. Lembramos que “não infalível” não significa “desprovido de todo valor”. A certeza admite graus, e o título de bem-aventurado pede o nosso respeito.
[12] Quodlibet IX, q 8, art.16. São Tomás lembra a causa final da infalibilidade: “Ensinar toda verdade que traga sobre as matérias necessárias a salvação”. As canonizações são um caso em que a lei trata sobre as matérias necessárias à salvação: “A honra que rendemos a um santo equivale a uma certa profissão de fé, onde afirmamos a glória do santo”. O papa que canoniza um santo exprime indiretamente o direito divino e, com esse título, seu ato será infalível.
[13] De locis theologicis, livro 5, capítulo 5, q 5, art 3, conclusão 3.
[14] Bento XIV, op, cit., livro l, capítulo 43.
[15] Ibidem, livro l, capítulo 44. São Tomás diz também na ad 2m do Quodlibet citado: “A divina Providência preserva a Igreja para que nessas matérias, ela não se engane pelos testemunhos falíveis dos homens”.
[16] Bento XIV, op. Cit., livro l, capítulo 43, §14. Histórico do Martirológio: Cf. Tractatio de martirológio romano, de Baronius, encabeçando a edição de Bento XIV, nos capítulos 4-9. O primeiro autor é Eusébio de Cesaréia que escreveu em grego e que foi traduzido em latim por São Jerónimo. A partir dessa primeira lista sobrevieram numerosas amplificações.
[17] ibidem
[18] Ia , q 23, art.7, ad3m. São Tomás apoia esses dizeres com o exemplo seguinte: “Assim se vê que a maior parte dos homens são dotados de um saber suficiente para a conduta de sua vida, e que aqueles que são chamados de idiotas ou insensatos, porque lhes falta esse conhecimento, são muito pouco numerosos. De mesmo são muito raros, entre os humanos, aqueles que alcançam uma ciência profunda das coisas inteligíveis”.
[19] Ibidem. São Tomás é então partidário da tese do pequeno número de eleitos. Ainda devemos precisar que esse pequeno número é pequeno relativamente: os eleitos e os santos são menos numerosos que os danados e pecadores, mas por serem menos numerosos se comparamos com esses últimos, os eleitos e os santos podem ser em grande número se os consideramos no absoluto. No Apocalipse São João contempla a multidão dos eleitos e diz que essa multidão é inumerável: “turbam magnam quam dinumerare nemo poterat” (Apoc., 7,9). Cfr. o Comentário sobre a Epístola de São Paulo aos Romanos, capítulo 12, lição 2 (sobre o versículo 5): “Quamvis enim sint pauci per comparationem ad infructuosam multitudinem damnatorum, secundum illud Matth, 7,14: arcta est via quae ducit ad vitam, et pauci inveniunt eam, tamen absolute loquendo sunt multi. Apoc, 7,9: post haec vidi turbam magnam, quam dinumerare nemo poterat”.
[20] Romano Amerio: Stat veritas – Continuação de Iota unum. Coment. 39 sobre o § 37 da carta apostólica Tertio millenio adveniente, página 117.
[21] Gaudium et spes, §22.
[22] Exsutet da Vigília pascal
[23] João, 3, 16
[24] Redemptor hominis, §9 e 10. Essa ideia de João Paulo II só faz difundir o pensamento original que se exprime na constituição Dei Verbum do Concílio Vaticano II. “É certo que se revelando desse modo a nós, nesse apelo que ele nos dirige, Deus nos revela a nós mesmo: é respondendo a esse apelo que o homem emergindo na luz de Deus descobre maravilhosamente a grandeza de seu ser. A revelação suprema de Deus a qual a Nova Aliança é essencialmente ligada é também a revelação total da natureza humana” (Henri de Lubac: Comentaire sur le Proemium de la constituição, in “Vatican II – Textes et commentaires des décrets conciliaires”, Unam sanctam 70 a, página 164).
[25] Redemptor hominis, § 10. “A tarefa específica da Igreja, a que funda sua necessidade absoluta, é o devotamento de uma realidade já presente no coração do mundo e sobretudo no coração do homem, o reino de Deus, para que o homem conheça explicitamente este dom de Deus” (Jean-Guy Pagé: O que é a Igreja?, tomo l: O Mistério e o sacramento da salvação, página 215).
[26] Gaudium et spes, §91
[27] Gaudium et spes, §38
[28] Gaudium et spes, §76
[29] Redemptor hominis, §13
[30] Redemptor hominis, §12
[31] Dignitatis humanae, §1
[32] IIa IIae, q 81, art 8. “Chamamos santidade essa aplicação que o homem faz de sua alma espiritual e de seus atos a Deus. Ela não difere então da religião na sua essência, mas somente por uma distinção de razão. Pois fala-se de religião segundo o que se rende a Deus o serviço que lhe é devido no que concerne especialmente o culto divino: sacrifícios, oblações, etc. Enquanto se fala de santidade quando o homem, além desses atos, relaciona ainda a Deus os actos das outras virtudes, ou então se dispõe ao culto divino por algumas boas obras”.
[33] “Toda essa riqueza doutrinal só visa a uma coisa: servir o homem. Trata-se, é claro, de todo homem, qualquer que seja sua condição, sua miséria e suas necessidades. A Igreja é, por assim dizer, proclamada a serva da humanidade até o momento em que seu magistério eclesiástico e seu governo pastoral revestiram, em razão da solenidade do Concílio, um maior esplendor e uma maior força” Paulo VI: Discurso de clausura da 4ª Sessão do Concílio Vaticano II, em 7 de Dezembro de 1965
[34] Extrato do sermão pronunciado na missa da canonização. Documentação católica 2119 de 2 de Julho de 1995.
[35] De onde também a ideia mestra de Lumen Gentium: a vocação universal à santidade (capítulo 5). Vocação universal, isto é, que concerne de fato, como em princípio, o Povo de Deus todo inteiro, sem que seja feita distinção entre uma santidade comum e uma santidade heroica na qual consistiria a perfeição propriamente dita.
[36] Christifideles laici, §16.
[37] Lumen gentium, 5, §39-42.
[38] Christifideles laici, §16-17
[39] Eis a reflexão de Dom Ghislain Lafont no seu livro Imaginer l’Eglise catholique, Cerf, 2001, nota 1 da página 232: “Nos alegramos de constatar que os autores da Nova enciclopédia católica teológica consagraram à santidade o capítulo inicial do volume (“Des chercheurs de Dieu par milliers…”) e desde o começo eles procedem, sem dizer, a uma espécie de beatificação espontânea: ‘Hoje, quem não conhece Madre Teresa, Martin Luther King, Helder Câmara, abbé Pierre, Oscar Romero, etc., e já um pouco mais longe Edmond Michelet, Tom Dooley, Madeleine Delbrel, Teilhard de Chardin? Esses homens, essas mulheres são como pontos de encontro para a humanidade inteira’. Mais além, eles acrescentam outros nomes os quais alguns foram depois beatificados pelo papa.”
[40] Artigo de Michel Kubler e de Claude Dial publicado em La Croix-L’Evénement de 28 de Março de 1991, retomado na Documentation catholique 2026 de 21 de abril de 1991.
[41] A continuação do discurso é interessante: “Hoje como naquela época, o Senhor continua a suscitar os homens e as mulheres generosas que fazem progredir o mesmo desejo de unidade entre os cristãos na Europa e no mundo. Como afirmei em 9 de Junho de 1989, durante a cerimónia ecuménica em Uppsala: “Nós não podemos fazer tudo de uma só vez, mas devemos fazer hoje o que nos é possível, na esperança do que poderemos fazer amanhã”. A Comissão mista de diálogo entre católicos e luteranos trabalha igualmente nesse sentido, na esperança de contribuir para suprimir os obstáculos que se opõem ainda na unidade dos cristãos”. Extratos da homilia pronunciada durante a celebração ecumênica em São Pedro de Roma, em 5 de Outubro de 1991, na ocasião do VIº centenário da canonização de santa Brígida. Nessa ocasião um acontecimento ecumênico excepcional se desenrolou na basílica de São Pedro em Roma, reunindo pastores luteranos e a hierarquia católica. Cf. Documentation catholique 2038 de 17 de Novembro de 1991.
[42] João Paulo II: Discurso aos cardeais e a Cúria romana de 23 de Dezembro de 1991, Documentation catholique 2043 de 3 de Fevereiro de 1992.
[43] Tertio millenio adveniente, §6.
[44] Lumen gentium, §ll.
[45] Unitatis redintegratio, §3
[46] Ut unum sint, §10-ll.
[47] Tertio millenio adveniente, §37.
[48] Ut unum sint, §84
[49] Ut unum sint, §84
[50] Discurso em homenagem a João Paulo II pelo prefeito da Congregação das causas dos santos, L’Osservatore Romano, 20-21. 12. 1999.
[51] É nessa ocasião que os restos do defunto papa foi exposto na praça de São Pedro e, no fechamento da cerimónia, foram reconduzidos em procissão diante do altar da Confissão da basílica vaticana, para ali ficar expostos alguns dias para veneração dos fiéis.
[52] Documentation catholique 2251 de lº de julho de 2001.
[53] Documentation catholique 2233 de lº de outubro de 2000.
[54] Obra citada, p.46. Notamos que o quinto capítulo do livro de Marsaudon se intitula "A morte de um santo". Trata-se de João XXIII…
[55] “As atitudes inconvenientes, a propósito das quais poderíamos multiplicar as anedotas, confirmam o julgamento de Jean Guitton sobre um núncio apostólico “familiar” e “vulgar””, narra Yves Chiron no seu artigo sobre João XXIII (in Certitudes nº3 nova série), citando fatos efetivamente pouco edificantes.
[56] Falando de seu trabalho na cúria romana, como pro-secretário do papa Pio XII, o cardeal Ruini diz: “Foram 35 anos de apostolado infatigável, cujos traços estão profundamente inscritos na nossa Cidade como na história da Igreja. Seu devotamento ao serviço dos Papas o viu engajado na diplomacia, que ele exerceu como um autêntico serviço de caridade, com um cuidado escrupuloso”. O cardeal evita bem de falar do cuidado escrupuloso com o qual João Batista Montini escondeu as relações que ele nutria com Moscou, apesar da proibição formal do papa. Esse único fato de desobediência grave ao papa deveria ser suficiente para interromper o processo de beatificação.
[57] O ecumenismo visto por um franco-maçom, Yves Marsaudon, edições Vitiano, p. 45.
[58] Recuso de vários seminaristas de prestar o juramento anti-modernista. Leremos com interesse o detalhe dessa vasta polémica que fez grande agitação na época em toda a Itália. in: Disquisitio: Conduta de São Pio X na luta contra o modernismo, Publicações do Courrier de Rome, p. 157-218.
[59] Ele foi reconhecido pela Congregação pela causa dos santos de 2 de Outubro de 2002.
[60] O testemunho da jovem mulher indiana foi recolhido por Saverio Gaeta para o hebdomadário católico italiano Famiglia cristiana de 10 de Outubro.
[61] O estudo mais detalhado apareceu sob a forma de artigos na revista Tradizione catholica (Revista do distrito da Itália da Fraternidade São Pio X). A tradução francesa pode ser lida sobre o site http://www.dici.org (parte Artigos de fundo). Um outro estudo mostrando que a bondade de João XXIII é na realidade uma falta de virtude de prudência apareceu na revista italiana Rassegna di Ascética e Mistica “S.Caterina da Siena” de Julho-Setembro de 1975. O autor, o padre Colosio é um dominicano italiano do convento de S. Miniato, perto de Pisa. Este artigo foi reproduzido em francês na revista Le Sel da la terre nº 42. Enfim, assinalamos também um bom artigo que saiu na revista Certitudes nº 3, nova série intitulado João XXIII: a beatificação infeliz.
[62] Em 1967, o Padre geral dos capuchinhos pergunta ao Padre Pio: “Reze por nosso capítulo geral capuchinho que vai se abrir para redigir novas constituições”. A essas palavras, o Padre teve um gesto de raiva, exclamando: “É só tagarelice e ruínas!” Algumas semanas mais tarde, quando o papa iria receber o capítulo dos capuchinhos em audiência, Padre Pio escreveu a Paulo VI: “Eu rogo ao Senhor que ela (a ordem dos capuchinhos) (…) continue na sua tradição de seriedade e austeridade religiosa, de pobreza evangélica, de observância da regra e das constituições.” Quando novas constituições foram anunciadas, Padre Pio teve a mesma reação muito viva: “Mas o que você está fazendo em Roma? O que o senhor está combinando? O senhor quer mudar até mesmo a regra de são Francisco!” Fonte: Pe. Jean, OFM cap., Cartas aos amigos de São Francisco, Père Jean, n.17, 2 de Fevereiro de 1999.
[63] Cf. O problema da reforma litúrgica, ed. Permanência, Rio de Janeiro, 2001
[64] Citamos a mensagem publicada pela Conferência dos bispos do México explicando o sentido profundo da canonização de Juan Diego pelo papa João Paulo II: “Essa canonização torna igualmente palpável o amor providencial da Igreja e do Papa pelos indígenas e reitera sua firme oposição as injustiças, violências e abusos dos quais esse povo foi vítima durante séculos. A Igreja observa e convida a observar com amor e esperança os valores indígenas autênticos… Para essa canonização, o Papa encoraja os povos autóctones do México e de toda a América a conservar essa sã firmeza na cultura de seus ancestrais e sustenta as aspirações legítimas e as justas reivindicações de todos os indígenas. A vida de Juan Diego deve retomar a dinâmica na construção da nação mexicana: uma nação de início pronta a se reconciliar com suas origens, sua história, seus valores e suas tradições; uma nação, em seguida, cujo desenvolvimento seria fundado sobre o valor da pessoa humana, respeitado na sua integridade; uma nação onde o encontro da diversidade e da comunhão se fará na criatividade; uma nação onde as leis poderiam não somente proteger as regras da vida em sociedade, mas igualmente assegurar a justiça e solidariedade; uma nação, enfim, onde a dignidade dos mais vulneráveis seria defendida e onde os mais favorecidos poderiam deixar livre-curso a sua fraternidade. Nós perguntamos a doce Mãe da Nação mexicana, padroeira da América e das Filipinas, para nos ajudar a fazer nossa sua pedagogia a fim de chegar a uma evangelização inculturada em todas as regiões, todos os lugares e todos os sectores do México e do continente americano.” A documentação católica nº 2276 de 15/09/2002.
Tradução de http://www.capela.org.br, revisada por FSSPX-Portugal. Fonte: https://fsspxportugal.wordpress.com/a-proposito-das-canonizacoes-do-papa-joao-paulo-ii/
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