As sagrações episcopais de 1988 por Lefebvre não criaram um cisma?
O cisma é uma recusa, por princípio, da autoridade do Papa, e não um mero ato de desobediência. Ora, a Fraternidade Sacerdotal São Pio X admite a autoridade do Papa e seus sacerdotes rezam por ele em cada Missa.
As sagrações episcopais, que foram, exteriormente, um ato de desobediência, não ocasionaram, pois, nenhum cisma [414].
Além disso, as razões dadas nas perguntas anteriores justificam plenamente essa aparente desobediência ao Papa.
Não é contraditório pretender reconhecer a autoridade do Papa, ao mesmo tempo em que se resiste a ele?
Um homem pode dizer a seu pai: “Vós não agis bem”, sem lhe dizer: “Vós não sois meu pai, não quero ter mais nada a ver convosco”.
São duas atitudes completamente distintas. Ora, o cisma somente corresponde à segunda.
O fato de sagrar Bispos sem autorização do Papa não implica automaticamente um cisma?
Uma sagração episcopal sem autorização do Papa não implica, de si, um cisma.
O Cardeal Castillo Lara, doutor em Direito Canônico e Presidente da Comissão Pontifícia para a Interpretação autêntica dos textos legislativos, explicava assim, em 1988:
“O simples fato de consagrar um Bispo sem mandato pontifício não é, em si, uma ação cismática.” [415]
Podeis citar uma outra autoridade?
O conde Neri Capponi, professor emérito de Direito Canônico na Universidade de Florença, declara, ele também, que uma consagração episcopal contra a vontade do Papa não constitui, esta sozinha, um cisma:
“É preciso fazer mais. Se ele houvesse, por exemplo, estabelecido a sua própria hierarquia, teria sido um ato cismático. O fato é que Monsenhor Lefebvre disse simplesmente: “Eu sagro Bispos, para que meu poder de ordenar sacerdotes continue. Eles não tomam o lugar dos outros Bispos, eu não fundo uma igreja paralela”. É por isso que esse ato não foi cismático.” [416]
Mesmo se não é, de si, cismática, a sagração de Bispos sem a autorização de Roma não é sempre um delito e implica ipso facto a pena de excomunhão?
Na Igreja latina, o Papa se reserva a decisão das sagrações episcopais, desde o século XI. Para lutar contra o cisma da “igreja patriótica” chinesa, Pio XII tomou, no século XX, a decisão de punir com a excomunhão a sagração de Bispos sem a autorização do Papa.
Tão importantes quanto sejam essas leis, estas são leis eclesiásticas, e não leis de instituição divina.
Podem, pois, conhecer exceções em casos extraordinários de extrema necessidade espiritual. Pois a suprema lei, na Igreja, é a salvação da almas. [417]
É certo que um caso de necessidade possa assim suspender a aplicação de uma lei?
O princípio segundo o qual a necessidade pode suspender a aplicação de uma lei positiva decorre do simples bom senso.
Quando uma casa está em chamas em uma rua de mão única, os bombeiros não se preocupam muito mais com o sentido proibido!!!
Pois a finalidade prima sobre os meios [418]. Uma lei cessa, pois, de existir, quando fosse diretamente contra a sua finalidade (aqui: a proteção a vidas humanas).
O princípio do estado de necessidade vale também para as leis naturais?
A lei natural não pode nunca compreender exceção (ela proíbe coisas más por natureza, que não podem, pois, nunca se tornarem boas). As leis positivas – inclusive as religiosas - podem, por outro lado, conhecer exceções, como o mostra a Sagrada Escritura.
Encontra-se na Sagrada Escritura casos de necessidade que dispensam do cumprimento de lei?
O princípio do estado de necessidade aparece várias vezes na Sagrada Escritura.
Coagidos pela necessidade, os Macabeus decidiram, assim, usar sua espada no dia de sábado a se deixarem assassinar sem reagirem (1Mc 2,23-41).
Nosso Senhor lembra também esse princípio contra os Príncipes dos Sacerdotes que procuravam pegá-lo em contradição. Apresenta-o a eles, mesmo, como uma evidência (Lc 14,5; Mc 2,24-27):
“Quem de vós, se sua mula ou seu boi cai num poço, não o retira dali imediatamente, mesmo em dia de sábado?”
O princípio do estado de necessidade é afirmado por teólogos?
O princípio do estado de necessidade é notadamente exposto por Santo Tomás de Aquino, que lembra o adágio tradicional: a necessidade dispensa da lei. [419]
A crise que devasta, atualmente, a Igreja necessitava, verdadeiramente, da sagração de Bispos sem a autorização do Papa?
Todo membro da Igreja tem o direito de Dela receber a Doutrina e os Sacramentos de que tem necessidade para se salvar.
Se, pois, sua hierarquia normal (padre, Bispo, etc.) não cumpre seu dever, o fiel se encontra num estado de necessidade, que lhe permite se dirigir a qualquer sacerdote católico (por causa da necessidade, esse sacerdote recebe então da Igreja, para se ocupar desse fiel, o que se chama jurisdição de suplência).
Na crise atual, essa jurisdição dá aos sacerdotes tradicionais o poder de batizar, confessar, oficiar matrimônios, etc. de fiéis que, normalmente, não dependeriam desses sacerdotes.
Mas como durava a crise, e como são necessários Bispos para dar os Sacramentos da Ordem e da Crisma, Monsenhor Lefebvre viu-se [420] também na necessidade de sagrar Bispos católicos para responder às necessidades das almas.
Monsenhor Lefebvre escapava, ao sagrar esses Bispos, da pena de excomunhão?
O cânon 1323 §4º do Novo Código de Direito Canônico (que retoma, em substância, o cânon 2205 §2º do Código tradicional) prevê que:
“Não é passível de nenhuma pena a pessoa que, quando violou a lei ou um preceito (...), agiu impulsionada pela necessidade ou para evitar um grave inconveniente”.
Ora, tal era, evidentemente, o caso de Monsenhor Lefebvre.
Se Monsenhor Lefebvre tivesse se enganado, estimando que houvesse necessidade, sua excomunhão seria válida?
O Novo Código de Direito Canônico faz escapar à pena de excomunhão, não apenas aquele que se acha num caso real de necessidade; mas também aquele que pensa estar em um tal caso, sem que essa convicção seja resultado de uma culpa de sua parte (Canon 1323 §7º).
Em consequência, mesmo caso se recusasse admitir a existência real da necessidade, permanecia indiscutível que Monsenhor Lefebvre pensava, ele, estar num tal caso, e que, segundo o Novo Código (em vigor no momento das sagrações), não é, pois, passível de nenhuma pena [421].
As autoridades oficiais admitiram esse argumento da necessidade desenvolvido por Monsenhor Lefebvre?
As autoridades atuais jamais reconheceram publicamente o bem-fundado da argumentação de Monsenhor Lefebvre, uma vez que pretenderam excomungá-lo.
Mas, na prática, parecem, com frequência, não acreditarem, elas mesmas, nessa excomunhão – ou ao menos estarem divididas sobre o assunto. [Nota da Tradução: e isso ficou tanto mais evidente depois do Decreto da Congregação dos Bispos, de 21 de janeiro de 2009, que privou o Decreto de 01 de julho de 1988 dos seus efeitos jurídicos].
Notas:
[413] O Decreto da Congregação dos Bispos de 01 de julho de 1988, que impôs as excomunhões nulas sobre Monsenhor Lefebvre, Dom de Castro Mayer e sobre os Bispos sagrados foi, oficialmente, privado de efeitos jurídicos, por um Decreto da mesma Congregação, datado de 21 de janeiro de 2009. Foi o chamado “levantamento das excomunhões”. Para a íntegra da versão oficial em português do Decreto ver: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cbishops/documents/rc_con_cbishops_doc_20090121_remissione-scomunica_po.html [nota da tradução brasileira].
[414] Para um estudo teológico aprofundado da nulidade plena das excomunhões, ler: http://www.capela.org.br/Crise/Sisinono/sagracao.htm. E para um estudo jurídico-canônico, ver: https://permanencia.org.br/drupal/node/5229 [nota da tradução brasileira].
[415] Jornal italiano La Reppubblica, 07 de outubro de 1988.
[416] Latin Mass Magazine, edição de maio-junho de 1993.
[417] Suprema Lex, salus animarum. O Novo Código de Direito Canônico mesmo fez, desse adágio tradicional, a sua conclusão (can. 1752).
[418] Essa expressão não tem nenhum parentesco com a maquiavélica “os fins justificam os meios”. Como se verá adiante, os meios aqui somente cedem à necessidade, porque o descumprimento incidental dessas leis positivas eclesiásticas não implica a consecução de nenhum ato intrinsecamente mau. É esclarecedor aqui salientar que a Moral é uma fonte do Direito, logo a bondade ou maldade de algo tem necessariamente relação com a sua justiça ou injustiça. Na verdade, o objetivo do autor é salientar com sua expressão que o “espírito da lei prevalece sobre sua letra”. Ora, o espírito da lei é exatamente aquilo que exprime a finalidade da mesma lei, e a letra da lei é exatamente aquilo que exprime o meio pelo qual a lei é posta e pelo qual se procura atingir a sua finalidade de modo geral. Porém, pode haver exceção, notadamente quando do estado de necessidade. Nesta chave é que devemos compreender a escolha da expressão pelo autor do catecismo. [nota da tradução brasileira]
[419] Necessitas legem non habet – Santo Tomás de Aquino, III, q.80, a.8.
[420] É bom ressaltar que, se Dom Lefebvre permitisse a cessação de ordenações sacerdotais de homens não contaminados pelo neomodernismo reinante em todos os seminários então aprovados pelo Papa [que, aliás, propagavam todas as novidades conciliares e pós-conciliares ilegítimas e somente ordenam, até hoje, candidatos que a estas aquiesçam], estaria pecando por omissão contra um dever de estado [e aí está a necessidade que o constrangia a sagrar Bispos que recusassem essas ilegítimas novidades e que tivessem a disposição de garantir – diante da omissão do próprio Papa - a ordenação sacerdotal de bons candidatos, os quais, por sua vez, poderiam atender à necessidade de fiéis desamparados e desorientados pela prédica errônea de seus Bispos e padres diocesanos. Necessidade esta que é: recepção i) de Sacramentos legítimos; e ii) da Sã Doutrina íntegra, inviolada, livre dos erros conciliares], ao deixar tanto a pregação da Sã Doutrina, quanto a dispensação de Sacramentos legítimos perderem grande terreno, o que equivaleria à recusa em prover a necessidade de muitos fiéis que pediam justo socorro e, também, à colaboração na obra materialmente neomodernista de auto-demolição da Igreja. O ato de Dom Lefebvre, ademais, garantiu a sobrevivência da possibilidade de os fiéis continuarem a assistir à Missa tradicional, já que, em 1988, para celebrá-la com a aprovação de João Paulo II, era necessário o compromisso torpe de aceitar a legitimidade da Missa de Paulo VI e todos os ensinamentos do Concílio Vaticano II; isto é, o compromisso de aceitar o erro ao lado da Verdade, inaceitável, pois que – parafraseando o Aquinate - “Bonum ex integra causa”. (nota da tradução brasileira).
[421] Para uma discussão mais profunda deste argumento, ver Le Sel de La terre nº24, p.50-67. – Sobre a legitimidade das sagrações de 1988, ver o estudo do padre Mura nos números 4, 5,7 e 8 de Le Sel de La terre, assim como a brochura do padre François Pivert, Des sacres de Mgr. Lefebvre... Un schisme?, Fideliter,1988.
Catecismo Católico da Crise na Igreja. Pe. Mathias Gaudron.
Notas da imagem:
Sagração de quatro bispos da FSSPX por Dom Lefebvre em 1988.
“Preferimos continuar na Tradição, guardar a Tradição, esperando que essa Tradição reencontre seu lugar em Roma; seu lugar entre as autoridades romanas, e no espírito dessas autoridades romanas.” — Dom Lefebvre
Tudo isso durará o que Deus tenha previsto, não me pertence saber quando a Tradição obterá seus direitos em Roma, mas julgo que é meu dever fornecer os meios para realizar o que chamarei de operação sobrevivência; operação sobrevivência da Tradição.
Esta jornada de hoje é a operação de sobrevivência. E se houvesse feito esta outra operação com Roma, seguindo os acordos que havíamos assinado e pondo depois em prática esses acordos, teria realizado a operação “suicídio”.
Assim, pois, não há escolha: devemos sobreviver! E é por isso que hoje, ao consagrar esses Bispos, estou persuadido a continuar, fazer viver a Tradição, ou seja, a Igreja Católica.
Sabeis bem, queridos irmãos, que não pode haver sacerdotes sem bispos. Todos esses seminaristas aqui presentes, se amanhã Deus me chamar, o que, indubitavelmente, não tardará em fazê-lo, de quem receberão o sacramento de ordem?
Dos bispos conciliares, cujos sacramentos são duvidosos, já que não se sabe exatamente quais são suas intenções? Não é possível. Então, quem são os bispos que verdadeiramente mantiveram a Tradição, que guardaram os sacramentos como a Igreja os administrou durante vinte séculos até o Concílio Vaticano II? Somos Monsenhor Castro Mayer e eu.
O que posso fazer? Assim é. Muitos seminaristas depositaram sua confiança em nós; eles sentiram que havia a continuidade da Igreja, a continuidade da Tradição.
E eles vieram aos nossos seminários, apesar das dificuldades que encontraram, para receber uma verdadeira ordenação sacerdotal e para poder oferecer o verdadeiro sacrifício do Calvário, o verdadeiro sacrifício da Missa, e vos dar os verdadeiros sacramentos, a verdadeira doutrina, o verdadeiro catecismo. Esta é a finalidade de nossos seminários.
Fonte da imagem e do texto da imagem: http://catolicosribeiraopreto.com/30-anos-depois-o-sermao-das-sagracoes-episcopais-do-arcebispo-lefebvre/
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