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O Estado deve se separar da Realeza de Cristo?

O Estado deve se separar da Realeza de Cristo?

Na mesma encíclica, Pio XI continua:

“Seria um erro grosseiro recusar, a Cristo-homem, a soberania sobre as coisas temporais, quaisquer que sejam: obtém do Pai, sobre as criaturas, um direito absoluto, permitindo-lhe dispor todas conforme seu desígnio.” [100]

Mesmo se Ele tem esse poder, Nosso Senhor, não manifestou que se desinteressava do poder temporal e que apenas queria reinar sobre as almas?

Nosso Senhor quer, primeiramente, salvar as almas, reinar nelas por Sua Graça. Para orientar os homens para o Céu, Ele, durante Sua vida terrestre, recusou-se a exercer qualquer governo temporal. Distinguiu, cuidadosamente, a sociedade religiosa que fundava (a Santa Igreja) da sociedade temporal.

Deixou, aos reis da Terra, seu poder. Mas a Realeza de Cristo, nelas, não existe menos, e as autoridades temporais têm o dever de A reconhecer, publicamente, desde que Dela tenham conhecimento.

Por que os governantes devem assim reconhecer a Realeza de Cristo?

Para os chefes de Estado, o reconhecimento público da Realeza de Cristo é, primeiro, um dever de justiça em relação a Nosso Senhor (Sua Realeza está no princípio da autoridade deles).

É também um dever em relação a seus súditos, a quem assim ajudam, poderosamente, a salvarem-se, e sobre os quais atraem a bênção toda particular do Salvador.

É, enfim, um dever em relação à Igreja, que deve ser apoiada em sua missão.

Por que insistir tanto sobre a Realeza Social de Nosso Senhor Jesus Cristo? Não basta ocupar-se do essencial: Seu Reino nas almas?

O homem não é puro espírito. Pio XII ensina:

“Da forma dada à sociedade, em harmonia ou não com as leis divinas, depende e se infiltra o bem e o mal nas almas”. [101]

O Estado tem, portanto, deveres em relação a Nosso Senhor Jesus Cristo e à Religião?

Do mesmo modo que todos os homens têm o dever de honrar a Deus, seu Criador, e, por isso, de abraçar a Verdadeira Fé, logo que a conheçam (sua salvação pessoal depende da aceitação, ou da recusa, de Jesus Cristo); o Estado também.

“A felicidade do Estado não decorre de outra fonte que a dos indivíduos, visto que uma cidade não é outra coisa senão um conjunto de particulares vivendo em harmonia” [102]

A sociedade política deve honrar a Deus publicamente? Não basta que o façam os indivíduos?

Leão XIII ensina:

“É evidente que a sociedade política deve cumprir, por um culto público, os numerosos e importantes deveres que a unem a Deus”. [103]

De onde vem esse dever de honrar a Deus publicamente?

Leão XIII explica:

“Os homens, unidos pelos laços de uma sociedade comum, não dependem menos de Deus do que quando tomados isoladamente. Tanto como o indivíduo, a sociedade dever dar graças a Deus, de Quem obteve sua existência (...) É por isso que, do mesmo modo que não é permitido a ninguém negligenciar seus deveres para com Deus – e que o maior de todos os deveres é o de abraçar a verdadeira religião (não aquela que cada um prefira; mas a que Deus prescreveu e a que provas certas e indubitáveis estabelecem como a única verdadeira entre todas) – as sociedades políticas não podem, sem crime, conduzirem-se como se Deus não existisse de nenhum modo, ou dispensar a religião como inútil, ou admitir uma conforme seu bel-prazer.” [104]

Para honrar a Deus publicamente, a sociedade temporal deve se submeter à Religião Católica, necessariamente?

Jesus Cristo – que é o único Mediador entre os homens e Deus – nunca é facultativo. E a Igreja Católica, que é a única Igreja de Cristo, muito menos. Leão XIII ensina:

“Honrando a Divindade, as sociedades políticas devem seguir, estritamente, as regras e o modo segundo os quais Deus, Ele mesmo, declarou querer ser honrado.” [105]

Mas o Estado é competente em matéria religiosa?

O Estado não é competente para legislar a seu alvitre em matéria religiosa. Mas o é, para reconhecer a Verdadeira Religião, a partir de seus sinais de verdade, e para se submeter a esta. Leão XIII afirma:

“Pois que é necessário professar uma religião na sociedade, é necessário professar aquela que é a única verdadeira e que se reconhece, facilmente, sobretudo nos países católicos, pelos sinais de verdade, cujo caráter reluzente leva consigo mesma. Essa religião, os chefes de Estado devem, portanto, conservar e proteger” [106]

O Estado tem outros deveres religiosos, além do culto público a Deus?

Sim. O Estado deve, sempre permanecendo em sua própria seara, favorecer a salvação eterna de seus cidadãos.

Não é dever da Igreja – e não do Estado – fazer com que se atinja a Felicidade Eterna?

Deus quis criar uma sociedade propriamente religiosa (a Santa Igreja), distinta da sociedade temporal. O homem deve, portanto, pertencer a essas duas sociedades. Mas o homem só tem um fim último. Não pode ir por duas direções de uma vez. Ora, a vida temporal lhe é dada para preparar a vida eterna.

O Estado, cujo domínio próprio é o temporal, não pode, pois, organizá-lo independentemente de seu fim último. Não está diretamente encarregado da Felicidade Eterna, mas deve contribuir para esta, indiretamente. Se o negligir, abandona a parte mais importante do bem comum. Tal é o ensinamento dos Padres da Igreja, de Santo Tomás e dos Papas.

O que dizem os Padres da Igreja sobre esse assunto?

Santo Agostinho afirma:

“Cada um serve a Deus em sua maneira. Este, como homem; aquele, como rei. Como homem, serve-se a Deus por uma vida piedosa e fiel; como rei, serve-se a Deus, punindo com conveniente vigor, por leis prescrevendo o bem e reprimindo o mal. Ezequias O serviu assim: destruindo as madeiras e os templos consagrados ao culto dos ídolos(...). É assim que O serviu Josias, agindo da mesma forma (...), Darius, dando a Daniel a permissão de depredar os ídolos107. Eis como os reis, enquanto reis, servem a Deus: quando fazem, para Seu serviço, aquilo que só os reis podem fazer [108].”

E, além disso:

“É agindo assim que os reis, enquanto reis, servem a Deus (...): ordenando o bem dentro de seu reino, e, nele, proibindo o mal; não apenas no que se refere à sociedade humana; mas também, à Divina Religião” [109]

E também:

“Nós chamamos felizes aos príncipes que fazem reinar a justiça (...), que se servem de seu poder, sobretudo, para espalhar o culto do Senhor e para se fazerem servidores fiéis de Sua Majestade soberana; que temem a Deus, amam-No e adoram-No (...).” [110]

O que dizem os outros Padres da Igreja?

Santo Ambrósio começa assim uma carta ao Imperador:

“Enquanto todos os homens submissos ao poder de Roma combatem por vós, imperadores e príncipes da Terra; vós combateis, vós, por Deus Todo-Poderoso e pela Santa Fé” [111]

São Leão Magno escreve ao Imperador Leão I:

“O poder real vos foi dado não apenas para governar o mundo; mas, sobretudo, para a proteção da Igreja” [112]

São Gregório Magno afirma:

“A autoridade suprema foi confiada, por Deus, aos imperadores, para que eles ajudem seus súditos na procura do bem e para que lhes abram mais larga a via do Céu, de tal sorte que o reino terrestre esteja ao serviço do Reino celeste.” [113]

São João Crisóstomo explica:

“Há gente grosseira a quem as vinganças futuras impressionam menos do que os rigores deste mundo. Ora pois, o príncipe que, pelos temores ou pelas recompensas, dispõe o espírito dos homens a uma maior docilidade aos ensinamentos da Verdade, merece, a bom direito, o título de ministro de Deus”. [114]

E o que diz Santo Tomás?

Santo Tomás afirma em seu tratado de política, De Regno:

“Porque o fim da vida é a beatitude celeste, o rei tem por dever dar à multidão uma vida boa e que permita atingir essa beatitude celeste.” [115]

São unânimes os Doutores da Igreja neste ponto?

Sim, os Doutores da Igreja são unânimes sobre este ponto. Às vésperas da Revolução de 1789, o grande Doutor da Moral, Santo Afonso de Ligório, mantém a mesma linguagem de Santo Agostinho:

“Um particular se salvará, observando as leis divinas; um rei, para se salvar, deve observá-las e fazê-las observar pelos súditos; isto é, reformar os maus costumes e extirpar os escândalos. Deve cumprir esse dever com coragem, e sem se impressionar com a contradição. (...) Eles não devem, pois, hesitar em banir de seu reino todo pregador de impiedade, nem a fechar as fronteiras às obras infectadas de más doutrinas. É seu imperioso dever, e é por não o ter cumprido que príncipes perderam sua coroa.” [116]

Os Papas recentes abordaram a questão?

Depois da Revolução de 1789, quando os poderes temporais cessaram de cumprir sua função, os Papas tiveram que tratar longa e explicitamente deste ponto.

Gregório XVI relembra assim aos príncipes que:

“Sua autoridade lhes foi dada não apenas para o governo temporal; mas, sobretudo, para defender a Igreja (...). A causa da Religião deve-lhes ser mais cara que a do trono (...). Colocados como pais e tutores dos povos, eles lhes buscarão uma paz e uma tranquilidade verdadeiras, constantes e prósperas; se comprometerem toda a sua solicitude para manter intacta a Religião e a piedade para com Deus, que traz escrito sobre suas vestes: “Rei dos reis e Senhor dos senhores””. [117]

Os sucessores de Gregório XVI mantiveram a mesma linguagem?

Todos os Papas até Vaticano II são unânimes. Leão XIII explica:

“Todos, enquanto nós somos, nascemos e fomos educados em vista de um bem supremo e final, ao qual é necessário tudo fazer tender: bem, que está localizado nos Céus, além desta frágil e curta existência (...) Como, pois, a sociedade temporal foi estabelecida para a utilidade de todos; deve, favorecendo a prosperidade pública, assegurar o bem dos cidadãos não apenas se abstendo de pôr obstáculos; mas sim de modo a assegurar todas as facilidades possíveis à busca e à aquisição desse Bem supremo e imutável ao qual aspiram. A primeira de todas consiste em fazer respeitar a santa e inviolável observância da Religião, cujos deveres unem o homem a Deus” [118]

A Igreja e o Estado não devem, pois, estar separados?

A Igreja e o Estado são duas sociedades distintas. Mas sua estrita separação é absurda e antinatural. O homem não está dividido em um cristão e um cidadão. Ele não deve ser cristão apenas em sua vida privada; mas em todos os domínios de sua vida. Deve, portanto, empreender uma política cristã, esforçando-se por colocar em acordo as leis civis com as leis divinas.

A separação entre a Igreja e o Estado foi condenada pelos Papas?

Pio IX condenou a proposição seguinte:

“A Igreja deve estar separada do Estado e o Estado da Igreja” [119].

São Pio X escreveu:

“Que seja preciso separar Igreja e Estado, é uma tese absolutamente falsa, um perniciosíssimo erro. Baseada, com efeito, sobre aquele princípio de que o Estado não deve reconhecer nenhum culto religioso, é gravemente injuriosa a Deus; pois o Criador do homem é também o fundador das sociedades humanas, e Ele as conserva na existência assim como nos sustenta nesta. Nós Lhe devemos, portanto, não apenas um culto privado; mas um culto público e social para O honrar. Além disso, aquela tese é a negação muito clara da ordem sobrenatural. Ela limita, com efeito, a ação do Estado à mera busca da prosperidade pública durante esta vida (...)” [120]

Notas:

[99] Pio XI, Quas Primas (11.12.1925) EPS-PIN 538.

[100] Pio XI, Quas Primas (11.12.1925) EPS-PIN 540.

[101] Pio XII, Radio-mensagem de 01.06.1941, Documents pontficaux de ua Santeté Pie XII (année

1941), Saint Maurice (Suíça), Ed. Saint-Augustin, p.144.

[102] Santo Agostinho (354-430), Carta 155 (a Macedonius),3,9; PL33, 670.

[103] Leão XIII, encíclica Immortale Dei (01.11.1885), EPS-PIN, 130.

[104] Leão XIII, ibid.

[105] Leão XIII, encíclica Immortale Dei (01.11.1885), EPS-PIN 130.

[106] Leão XIII, encíclica Libertas (20.06.1888), EPS-PIN 204. Mesmo ensinamento na encíclica Immortale Dei (sobre a constituição cristã dos Estados), EPS-PIN 132.

[107] Sobre esses três exemplos, ver 4Rs 18,4; 4Rs 23,4-5; Dn 3,96 (nota dos editores franceses)

[108] Santo Agostinho, Carta 185, capítulo V, §19-20; PL 33, col.801.

[109] In hoc enim reges, sicut eis divinitus praecipitur (Ps 2,10), Deo serviunt in quantum reges sunt, si in quo regno bona jubeant, mala prohibeant, non solum quae pertinent ad humanam societatem, verum etiam quae ad divinam religionem. Santo Agostinho, Quatro livros contra o gramático Cresconius, capítulo 51, §56; PL 43, 517.

[110] Santo Agostinho, A Cidade de Deus, l.5, capítulo 24.

[111] Cum omnes homines, qui sub ditione romana sunt, vobis militent imperatoribus, terrarum atque principibus, tum ipsi vos omnipotenti Deo et sacrae fidei militatis. Santo Ambrósio (340-397), Carta 17, PL 16, col.961.

[112] (...) Debes incunctanter advertere regiam potestatem tibi non ad solum mundi regimen, sed maxime ad Ecclesiae praesidium esse collatam. São Leão Magno (Papa de 440 a 461), Ep. Ad Leonem Augustum, PL 54, col.1130.

[113] Ad hoc enim potestas super omnes homines dominorum meorum pietati coelitus data est, ut qui bona appetunt adjuventur, ut coelorum via largius pateat, ut terrestre regnum coelesti regno famuletur. São Gregório Magno (Papa de 590 a 604), ad Mauritium Augustum, PL 77, col.663.

[114] São João Crisóstomo (340-407), 23ª homilia sobre a Epístola aos Romanos, Oeuvres Complètes, Nancy-Paris, Bordes, 1868, t.5, p.388.

[115] Quia (...) vitae finis est beatitudo coelestis, ad regis officium pertinet ea ratione vitam multitudinis bonam procurare, secundum quod congruit ad coelestem beatitudinem consequendam(...), Santo Tomás de Aquino, De Regno, capítulo 15.

[116] Santo Afonso de Ligório, Fedeltà dei Vassali (junho de 1777), citado por Augustin Berthe C SS R., Saint Alfonse de Liguori, 1696-1787, Paris, Reteaux, t.2,p.440-441.

[117] Gregório XVI, Mirari vos, in fine.

[118] Leão XIII, encíclica Immortale Dei 01.11.1885, EPS-PIN 131 (tradução levemente modificada pelos editores franceses). O Papa desenvolve a mesma ideia na encíclica Libertas de 20.06.1888, EPS-PIN 204.

[119] É a 55ª proposição condenada pelo Syllabus (08.12.1864), DS 2955.

[120] São Pio X, encíclica Vehementer nos, 11.02.1906.

Catecismo Católico da Crise na Igreja. Pe. Mathias Gaudron.

Notas da imagem:

O papel da guilhotina na revolução francesa.

"O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre" (Jean Meslier. Revolução Francesa)

Entregando-se aos prazeres ilícitos, na revolução francesa, o homem se irrita contra tudo que se antepõe como obstáculo a seu prazer. Ele se ergue contra a lei que lhe diz: “não pecarás”. Ele detestará o muro e a cerca, que proclamam: “não passarás”. Ele aspira abolir toda lei, e fazer a si mesmo, o senhor da Lei. Ele quer ser arbitro do justo e do injusto. Ele quer ser totalmente livre. Com a palavra Liberdade, a Revolução promete satisfazer toda sensualidade, e todos os desregramentos.

O pecado original tornou o homem inclinado para o mal e para o erro, e desregrou suas paixões. O homem chegará assim a querer estabelecer a igualdade na sociedade. Odiará tudo o que lembra hierarquia, e tudo que reflete a desigualdade dos homens: os modos distintos, as palavras nobres, a arte refinada, os costumes superiores. Ele amará a igualdade como um bem em si mesmo.

Fraternidade... Sem admitir que todos tem um Pai comum, Deus, a Fraternidade é uma grande mentira. Iguais e livres os homens seriam todos irmãos, viveriam pacificamente em Concórdia, Justiça, Paz, Amor. Humanidade, Beneficência, Paz, Concórdia, Razão, Fraternidade, foi tudo isto que produziu o Terror, que destruiu as igrejas e pretendeu destruir a Religião, fazendo adorar a Razão representada por uma meretriz- no altar de Notre Dame, em Paris. Fraternidade... Foi ela que ergueu a guilhotina na praça da Concórdia.

Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Palavras mágicas que enfeitiçaram os franceses do século XVIII. Palavras mentirosas que continuam até hoje a iludir os homens. Palavras criminosas que fizeram correr injustamente tanto sangue... Esta é a História.

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