O Vaticano II não foi um Concílio infalível?
Alguns pretendem que, mesmo se Vaticano II não tenha produzido atos de Magistério Extraordinário, a infalibilidade pertencer-lhe-ia enquanto órgão do Magistério Ordinário Universal, porque quase todos os Bispos do mundo nele se fizeram presentes. Além disso – dizem – o ecumenismo e a liberdade religiosa são ensinados hoje pelos Bispos do mundo inteiro, o que equivaleria também ao exercício do Magistério Ordinário Universal, que é infalível.
Porém essa argumentação está viciada. Vaticano II, Concílio “pastoral”, recusou-se a comprometer sua autoridade para definir o que quer que fosse; não impôs a liberdade religiosa e o ecumenismo como Verdades de Fé, por isso escapando ao Magistério Extraordinário.
Mas, de uma cajadada só, escapou também ao Magistério Ordinário infalível. Pois não pode haver infalibilidade se os Bispos não certificam, com autoridade, que o ensinamento que dispensam pertence ao Depósito de Fé (ou é-lhe necessariamente ligado) e que deve ser tido como imutável e obrigatório.
Alguns ensinamentos de Vaticano II não são apresentados como “fundados na Revelação”, “conformes à Revelação”, “transmitidos pela Igreja” ou “decretados no Espírito Santo”?
Essas são fórmulas piedosas; mas muito insuficientes para assegurar a infalibilidade. Seria preciso impor com autoridade esse ensinamento, como ligado necessariamente à Revelação Divina, imutável, obrigatório.
Ora, a liberdade religiosa e o ecumenismo são novidades, contrárias ao ensinamento anterior da Igreja. De fato, os Bispos não os impõem de forma firme e precisa como Verdades imutáveis. Não comprometeram formalmente, para os propugnar, sua autoridade de guardiães do Depósito revelado aos Apóstolos; porém as propuseram de modo liberal (“pastoral”) como fruto de um diálogo com o mundo moderno e como o reflexo do que criam os cristãos de hoje. Isso basta para excluir a infalibilidade. [91]
Não se pode, pois, invocar o Magistério Ordinário Universal no que concerne ao ecumenismo e à liberdade religiosa?
Não se pode invocar o Magistério Ordinário Universal em favor do ecumenismo e da liberdade religiosa; porém, poder-se-ia, a bom direito, afirmar que são as condenações trazidas no curso dos dois últimos séculos contra a liberdade religiosa e o ecumenismo que são infalíveis em razão do Magistério Ordinário.
As autoridades atuais da Igreja reconhecem a não infalibilidade de Vaticano II?
Vaticano II não foi infalível - é o que afirmou expressamente o Cardeal Ratzinger em 1988, dizendo:
“A verdade é que o Concílio, ele mesmo, não definiu nenhum dogma e procurou se situar num nível mais modesto, simplesmente como um Concílio pastoral. Apesar disso, numerosos são aqueles que o interpretam como se se tratasse de um “superdogma” que sozinho tem a importância.” [92]
Por que as autoridades atuais apegam-se tanto a Vaticano II, já que reconhecem, ao mesmo tempo, que não é infalível?
De fato, Vaticano II é, desde a origem, o objeto de um jogo desonesto. Durante o Concílio, insistiu-se sobre seu caráter pastoral para evitar de se exprimir com precisão teológica; mas depois, deseja-se lhe dar uma autoridade igual ou mesmo superior àquela dos Concílios anteriores.
Este jogo desonesto foi denunciado por um dos participantes do Concílio, Mons. Lefebvre, a partir de 1976:
“É indispensável desmistificar esse Concílio que eles desejaram pastoral em razão seu horror instintivo ao dogma, e para facilitar a introdução oficial das ideias liberais dentro de um texto da Igreja. Contudo, operação terminada, dogmatizam o Concílio, comparam-no ao de Nicéia, pretendem-no semelhante aos outros, senão superior!” [93]
Notas:
[91] Ver sobre este assunto os argumentos desenvolvidos pelo padre Calderón em Le Sel de La Terre nº47, p.60-69 e 91-95.(nota dos editores franceses)
[92] Alocução do Cardeal Ratzinger diante da Conferência Episcopal chilena, em 13 de julho de 1988 (Itinéraires nº330, fevereiro, 1989, p.4)
[93] Mons. Marcel Lefebvre, J’accuse Le Concile !, Martigny(Suíça), Editions Saint-Gabriel, 1976, p.9
Catecismo Católico da Crise na Igreja. Pe. Mathias Gaudron.
Notas da imagem:
Em dezembro de 1961 o então Papa João XXIII surpreendeu a todos convocando o Concílio Vaticano II e no ano seguinte a primeira sessão ocorreu.
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