Estudo

Estudo
Procurar:
Os católicos liberais

Os católicos liberais

Várias ondas sucessivas do “catolicismo liberal” foram condenadas pelos Papas dos séculos XIX e XX.

Quem condenou a primeira onda “católica liberal”?

A primeira onda, guiada por Félicité de Lamennais (1782-1854), foi condenada por Gregório XVI, na encíclica Mirari vos, em 1832. Lamennais saiu da Igreja e foi abandonado por seus discípulos. [134]

Quem condenou a segunda onda “católica liberal”?

A segunda onda “católica liberal”, guiada por Mons. Felix Dupanloup (1802-1878, Bispo de Orleans) e pelo conde Charles de Montalembert (1810-1870), foi condenada em 1864 pela encíclica Quanta cura de Pio IX e pelo catálogo de erros Syllabus, que lhe é anexo [135].

Quem condenou a terceira onda “católica liberal”?

A terceira onda “católica liberal” se desenvolveu nos meios que haviam resistido à segunda. Sob a pressão do mundo contemporâneo, e sem isso perceber, toda uma parte de jovens católicos franceses adotaram, pouco a pouco, no fim do pontificado de Leão XIII (principalmente a partir do Ralliement, em 1892) as ideias contra que seus pais haviam lutado.

Os “padres democratas”, depois o Sillon de Marc Saigner (1873-1950) estiveram na liderança deste movimento [136] que foi parado pela Carta sobre o Sillon, de São Pio X (1910).

Houve uma quarta onda “católica liberal”?

Jacques Maritain (1882-1973) foi o principal guia da quarta onda “católica liberal” na França, a partir dos anos trinta.

Jacques Maritain não é um grande filósofo tomista?

Do mesmo jeito que, no início da Igreja, alguns traíram a verdadeira Fé depois de terem sido seus campeões (Tertuliano, por exemplo), igualmente, Maritain, campeão do tomismo, evoluiu progressivamente em direção ao liberalismo. [137]

Chegou, até mesmo, no fim de sua vida, a duvidar da eternidade das penas do inferno. [138]

Essa quarta onda “católica liberal” foi condenada?

Em 1953, o Cardeal Ottaviani, pró-secretário do Santo Ofício, refutou algumas teses liberais de Maritain num discurso solene em Latrão [139].

Em 1958, o Santo Ofício preparou um documento condenando certas proposições de Maritain ou do jesuíta americano John Courtney-Murray; mas a morte de Pio XII impediu sua publicação. [140] Finalmente, Maritain e Courtney-Murray triunfaram no Vaticano II.

A liberdade religiosa de Vaticano II é atingida por todas essas condenações ao “catolicismo liberal”?

A liberdade religiosa de Vaticano II é atingida por várias dessas condenações. Em Quanta cura, por exemplo, Pio IX condena “essa opinião errônea, muito fatal à Igreja Católica e à salvação das almas, e que, Nosso Predecessor, Gregório XVI chamava de delírio, a saber 'que a liberdade de consciência e de culto é um direito próprio a cada homem e que deve ser proclamado em todo Estado bem constituído' (...)” [141]. Condena, igualmente, o erro a seguir como contrário à Sagrada Escritura, à Igreja e aos Santos Padres:

“O melhor governo é aquele em que não se reconhece, ao poder, a obrigação de reprimir, pela sanção das penas, os violadores da Religião Católica, enquanto não o requerer a tranqüilidade pública” [142].

Podeis citar um outro Papa?

Leão XIII, em Libertas, alertava não só contra o Estado ímpio; mas também contra um Estado que quisesse “estar animado, em relação a todas as religiões, como se diz, das mesmas disposições, e outorgar-lhes, indistintamente, os mesmos direitos”, o que, finalmente, “desembocaria no ateísmo”. Um tal Estado pecaria contra a justiça e contra a razão. [143]

Encontra-se o mesmo ensinamento dentre os Papas do século XX?

Pio XII ensinou em 06 de outubro de 1946:

“A Igreja Católica (...) é uma sociedade perfeita que tem por fundamento a Verdade de Fé infalivelmente revelada por Deus. Tudo o que se opõe a esta Verdade é, necessariamente, um erro; e não se pode, objetivamente, reconhecer, ao erro, os mesmos direitos que à Verdade”. [144]

Dignitatis Humanae não se apóia, no entanto, sobre textos de Papas?

Dignitatis Humanae alega, em favor da liberdade religiosa, a encíclica Libertas de Leão XIII. Eis o parágrafo em questão:

“Uma outra liberdade que se proclama muito alto é a que se chama liberdade de consciência. Se se entender, por esta, que cada um possa, indiferentemente, a seu alvitre, render ou não render um culto a Deus, os argumentos que foram dados mais acima bastam para refutar. Mas se pode entender também naquele sentido em que o homem tem, dentro do Estado, o direito de seguir, a partir da consciência de seu dever, a Vontade de Deus, e de cumprir Seus Preceitos, sem que nada o possa impedir. Esta liberdade, a verdadeira liberdade, a liberdade digna de filhos de Deus, que protege tão gloriosamente a dignidade da pessoa humana, está acima de qualquer violência e de toda opressão, sempre foi objeto dos desejos da Igreja e de seu particular afeto.” [145]

Qual é o sentido do texto de Leão XIII?

Leão XIII, depois de ter condenado a “liberdade de consciência” tal como é comumente entendida no mundo moderno, diz que essa expressão pode, entretanto, ser bem compreendida.

Falando da “liberdade digna de filhos de Deus”, entende, sem equívoco possível, a liberdade de poder exercer a verdadeira religião (o direito de que ele falou tem por objeto a Vontade de Deus e o cumprimento de Seus Preceitos). É desonesto pretender aplicar esse texto às falsas religiões [146].

Os autores de Dignitatis Humanae admitem que seu texto contradiz os ensinamentos dos Papas anteriores?

Vários autores de Dignitatis humanae foram obrigados a admitir que esse texto colocava dificuldades. O principal inspirador do texto, Pe. Courtney-Murray, reconhece no seu comentário:

“Quase exatamente um século mais tarde, a declaração sobre a liberdade religiosa parece afirmar como doutrina católica o que Gregório XVI e Pio IX consideravam como um “delírio”, uma ideia maluca” [147].

O Pe. Congar confessa a seu turno:

“Não se pode negar que um tal texto diga materialmente uma outra coisa do que o Syllabus de 1864, e mesmo quase o contrário das proposições 15, 77,78, 79 deste documento.” [148]

E, além disso:

“(...) Colaborei nos últimos parágrafos – os que me deixam menos satisfeito. Tratava-se de mostrar que o tema da liberdade religiosa aparecia já na Sagrada Escritura. Ora, nesta, aquela não aparece.” [149]

Como o Concílio Vaticano II pôde chegar a promulgar uma declaração que contradiz tão radicalmente a prática e o ensinamento da Igreja?

A Comissão teológica preparatória, constituída por João XXIII para preparar o Vaticano II, havia redigido um documento totalmente tradicional, resumindo a doutrina da Igreja sobre essa questão. [150]

Porém, o Secretariado para a Unidade dos Cristãos, presidido pelo Cardeal Bea, havia preparado um esquema alternativo, destinado a agradar aos protestantes e aos maçons.

Na sessão preparatória de 19 e 20 de junho de 1962, “os textos da Comissão e do Secretariado chegaram juntos diante da Comissão central, e provocaram o mais dramático confronto que esse organismo conheceu”. [151]

Os Cardeais Ottaviani e Bea se opuseram muito vivamente. Às vésperas do Concílio, duas doutrinas contrárias estavam assim em presença. Uma se referia a toda a Tradição da Igreja; a outra invocava as expectativas do mundo moderno.

O Secretariado para a Unidade dos Cristãos impôs facilmente aquele texto inovador?

O Secretariado para a Unidade dos Cristãos só conseguiu impor seu texto depois de quatro anos de pressão sobre os Padres conciliares. Os inovadores esperavam o fazer votar em 1964, como uma sorte de arrependimento pelo Syllabus de Pio IX, que completava seu centenário. Mas, não conseguiram.

Finalmente, a declaração sobre a liberdade religiosa foi votada e promulgada no fim da última sessão conciliar, em 1965. Para reduzir a oposição, moderou-se-lhe o tom e acrescentaram-se numerosas passagens de aparência tradicional. Mas a orientação fundamental permanecia liberal, e a definição dada para “liberdade religiosa” contradizia a doutrina e a prática constantes da Igreja.

Notas:

[134] Sobre esta primeira onda liberal, ver Le Sel de La Terre nº14, p.113-134. (nota dos editores franceses).

[135] Sobre esta segunda onda liberal, ver Le Sel de La Terre nº14, p.140-150,; nº15,p.120-150;nº16,p.132-174. (nota dos editores franceses)

[136] Sobre esta terceira onda liberal e sobre os “padres democratas”, ver Le Sel de La Terre nº29,p.65-86; nº30,p.74 (nota dos editores franceses)

[137] Sobre as teses liberais de Maritain, ver Le Sel de La Terre nº47, p.216-230 (nota dos editores franceses).

[138] Jacques e Raïssa Maritain, Oeuvres Complètes, vol.XIII, Fribourg, Ed. Universitaires/Paris, Ed. Saint-Paul, 1992, p.440-478 (Ver os trechos citados em Le Sel de La Terre nº37,p.124). (Nota dos editores franceses)

[139] Ver Le Sel de La Terre nº47, p.228. (nota dos editores franceses).

[140] Ver Le Sel de La Terre nº 39, p.74 (nota dos editores franceses).

[141] Pio IX, encíclica Quanta cura, 08.12.1864, EPS-PIN 40. O texto de Gregório XVI citado é de sua encíclica Mirari vos (1832).

[142] Proposição errônea denunciada por Pio IX em Quanta cura, EPS-PIN, 39.

[143] EPS-PIN 203.

[144] Pio XII, Ecco Che già um anno, 06.10.1946, Documents pontificaux de Sa Sainteté Pie XII, Saint-Maurice (Suíça), Ed. Saint Augustin, ano de 1946, p.304.

[145] Leão XIII, encíclica Libertas DS 3250; EPS-PIN 215.

[146] Para uma análise mais detalhada desta passagem de Leão XIII, assim como de algumas outras referências ao Magistério, fornecidas por Dignitatis humanae, ver o estudo de Mons. De Castro Mayer, em Le Sel de La Terre nº37, p.39-49.

[147] John Courtney-Murray, S,J “Em direção a uma intelecção do desenvolvimento da doutrina da Igreja sobre a liberdade religiosa”, em Vatican II, La liberté religieuse (Unam sanctam 60),Paris,Cerf, 1967, p.111.

[148] Yves Congar O.P, La crise dans l’Eglise et Mgr Lefebvre, Paris, Cerf, 1977, p.54 – Em 1984, o padre Congar reafirma: “A declaração sobre a liberdade religiosa diz o contrário de vários artigos do Syllabus de 1864” (Essais oecuméniques. Les hommes, Le mouvement, les problèmes,Paris, Centurion, 1984, p.85)

[149] Yves Congar O.P. interrogado por Eric Vatré, em La Droite Du Père, Enquête sur La Tradition catholique aujourd’hui, Paris, Trédaniel,1994,p.118.

[150] Esse documento tinha por título De relationibus inter Ecclesiam et Statum, necnon de tolerantia religiosa ( As relações entre a Igreja e o Estado e da tolerância religiosa). Encontra-se o texto traduzido e comentado [em francês – nota da tradução brasileira] em Le Sel de La Terre nº 39, p.74-118. (nota dos editores franceses).

[151] Giuseppe Alberigo, Histoire Du Concile Vatican II, 1959-1965, I – Le Catholicisme vers une nouvelle époque. L’annonce et La préparation, Paris, Cerf,1997, p.334.

Catecismo Católico da Crise na Igreja. Pe. Mathias Gaudron.

Notas da imagem:

Concílio Vaticano II. Papa João XXIII e Papa Paulo VI.

Recomenda-se a leitura do livro "Do liberalismo à apostasia", de Dom Marcel Lefebvre. O famoso bispo de Ecône, na Suiça, após explicar o que é o Liberalismo condenado pela Igreja, e a tentativa de alguns católicos de adotarem as ideias liberais, analisa de modo profundo a derrapagem das autoridades da Igreja na realização de um Concílio Ecumênico de inspiração liberal e que semeará a revolução dentro da Igreja. Junto com o livro há artigos de Dom Antônio de Castro Mayer, companheiro de Dom Lefebvre no combate aos erros liberais. Neste livro encontrará pensamentos dos grandes defensores da fé no século XX.

Produtos recomendados:

Leia também o próximo estudo:

Compartilhe este estudo: