A Meditação da Paixão de Jesus Cristo é uma escola do Divino Amor
Ignem veni mittere in terram; et quid volo, nisi ut accendatur? – “Eu vim trazer fogo à terra; e que quero se não que ele se acenda?” (Lc 12, 49)
Sumário. Jesus Cristo é amado de poucos, porque poucos são os que refletem nas dores que Ele padeceu por nós. O que as considera frequentemente, não pode viver sem amar a Jesus; porquanto ficará de tal modo preso pelo seu amor, que lhe será impossível não amar um Deus que chegou a morrer exausto de sangue para ganhar o nosso amor. Roguemos à divina Mãe, Maria, que nos obtenha do seu Filho a graça de entrarmos em suas chagas sagradas por meio de uma meditação contínua.
I. Ó amante das almas, nosso amantíssimo Redentor, declarou que veio à terra e se fez homem para acender em todos os corações o fogo do santo amor: Eu vim trazer o fogo à terra. Oh! De que belas chamas de caridade não tem Ele abrasado tão grande número de almas, especialmente por meio dos sofrimentos que quis suportar em sua morte, afim de nos mostrar a imensidade do seu amor para conosco! Oh! Quantos corações felizes se inflamaram de tal modo nas chagas de Jesus, como em outras tantas fornalhas de amor, que não hesitaram em sacrificar-Lhe os bens, a vida, a si mesmo todos inteiros, vencendo corajosamente todas as dificuldades que encontravam na observância da divina lei!
Com efeito, quem pode deixar de amar a Jesus, vendo-O, em todo o correr da sua vida, atormentado e desprezado, e afinal morrer exausto de sangue sobre a cruz, afim de ganhar o nosso amor? – Frei João de Alvernia, cada vez que lançava os olhos para Jesus coberto de chagas, não podia reter as lágrimas. Frei Thiago de Tuderto, ouvindo ler a Paixão do Redentor, não somente derramava sentidas lágrimas, mas rompia em suspiros profundos, oprimido pelo amor em que ardia por seu divino Mestre.
Finalmente, para não mencionar muitos outros, foi na doce escola do Crucifixo que São Francisco se tornou um serafim de amor. Chorava tão continuamente quando meditava nos sofrimentos de Jesus Cristo, que quase chegou a perder a vista. Um dia foi encontrado dando gritos lastimosos, e perguntou-se-lhe o que tinha. “Ah! Que posso ter?” respondeu, “choro as dores e as afrontas do meu Senhor. E minha dor”, assim acrescentou, “aumenta vendo a ingratidão dos homens que não o amam, e vivem sem pensar n’Ele.” Todas as vezes que ouvia balar um cordeiro, sentia-se movido de compaixão, pelo pensamento da morte de Jesus, o Cordeiro imaculado, imolado sobre a cruz pelos pecados do mundo. Abrasado todo em amor, este Santo não sabia recomendar outra coisa com mais empenho a seus irmãos do que a lembrança frequente da Paixão de Jesus.
II. Um piedoso solitário rogava a Deus que lhe ensinasse o que poderia fazer para o amar perfeitamente. Revelou-lhe o Senhor, que para chegar ao perfeito amor não havia exercício mais útil do que a meditação frequente de sua Paixão. É este exatamente o conselho que o Apóstolo nos deu para não desfalecermos, mas corrermos expeditamente no caminho de céu. “Para que não vos fatigueis”, escreve o Apóstolo aos Hebreus, “e não desfaleçais em vossos ânimos, não deixeis de pensar naquele que dos pecadores suportou contra si uma tal contradição.” (1) Escrevendo depois aos fiéis de Corintho, acrescenta: Caritas Christi urget nos (2) – “A caridade de Cristo nos constrange”. Como se dissesse: Jesus é amado de um pequeno número, porque é pequeno o número daqueles que meditam nas penas que Ele sofreu por nós; mas o que nelas medita muito, não pode viver sem amar a Jesus. Sentir-se-á de tal modo constrangido pelo amor divino, que lhe será impossível não amar um Deus tão amante e que tanto tem sofrido para ser amado.
É com razão que Santa Teresa se queixava amargamente de certos livros que lhe haviam aconselhado que deixasse a meditação da Paixão como um obstáculo à contemplação da Divindade. – “Ó Senhor de minha alma”, exclamava a Santa, “ó meu Jesus crucificado! É possível que Vós sejais para mim um obstáculo a um bem maior? E de onde me tem vindo todos os bens senão de Vós?” Em seguida acrescenta: “Observei que, para seu próprio contento, e para nos fazer grandes graças, Deus quer que tudo passe pelas mãos da santíssima Humanidade, na qual a divina Majestade nos assegura ter posto a sua complacência.”
Peçamos, também, à divina Mãe, Maria, que nos obtenha de seu Filho a graça de entrarmos por meio de uma meditação contínua nas sagradas chagas, estas fornalhas de amor, onde se abrasaram tantos corações amantes; afim de que, consumidos em nós todos os afetos terrenos, possamos também arder nas chamas felizes que fazem as almas santas na terra e bem-aventuradas no céu.
Referências:
(1) Hb 12, 3 (2) 2 Cor 5, 14
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 262-264)
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