Bem-aventurado daquele que se conserva fiel a Deus na adversidade

Bem-aventurado daquele que se conserva fiel a Deus na adversidade

Bem-aventurado daquele que se conserva fiel a Deus na adversidade

Usque in tempus sustinebit patiens, et postea redditio iucunditatis – “O homem paciente sofrerá até o tempo destinado, e depois tornar-se-lhe-á a dar a alegria” (Eclo 1, 29)

Sumário. A terra é um campo de batalha, no qual fomos postos todos para combater. Felizes de nós se formos vencedores! Se nos chegarmos a salvar, terminarão as adversidades, as tentações, as enfermidades e todas as misérias da vida presente; e Deus mesmo será a nossa recompensa eterna. Anime-nos a esperança deste galardão a combatermos até à morte, e a não nos deixarmos enquanto não estivermos na posse da pátria bem-aventurada. Para que não sintamos tanto o peso das tribulações, deitemos um olhar sobre Jesus crucificado e lembremo-nos do inferno que temos merecido.

I. A fidelidade dos soldados prova-se nos combates e não no repouso. A terra é para nós um campo de batalha, no qual fomos postos para combater e para nos salvar pela vitória; quem não ficar vencedor, está perdido para sempre. Pelo que o santo homem Jó dizia:

“Todos os dias, que passo nesta guerra estou esperando, até que chegue a minha imutação.” (1)

Queria dizer que lhe era penoso o combate com tantos inimigos; mas que se consolava com a esperança que pela vitória e pela ressurreição depois da morte tudo se havia de mudar. – É também desta mudança que falava São Paulo e se alegrava, quando dizia: Et mortui resurgent incorrupti, et nos immutabimur (2) – “E os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados”. No céu muda-se tudo: o céu não é um lugar de fadigas, mas de descanso; não de temor, mas de segurança; não de tristeza e aborrecimento, mas de alegria e gozo eterno.

Com a esperança de tão grande gozo animemo-nos a combater até à morte e não nos deixemos vencer pelos inimigos enquanto não chegar o fim do nosso combate e a posse da eternidade bem-aventurada. – Feliz do que sofre por Deus durante a vida! Padece algum tempo: usque in tempus sustinebit patiens; mas o seu gozo será eterno na pátria bem-aventurada. Então terminarão as perseguições, terminarão as tentações, as enfermidades, as moléstias e todas as misérias da vida presente; e Deus nos dará outra vida interminável de pleno contentamento.

Numa palavra, o tempo atual é o tempo da poda, quer dizer: de cortar tudo quanto nos possa ser de impedimento no caminho à terra prometida do céu: Tempus putationis advenit (3) – “Chegou o tempo da poda”. O talho causa dor; eis porque é indispensável a paciência. Postea redditio iucunditatis: depois seremos consolados, conforme tivermos sofrido. Deus é fiel, e ao que sofrer qualquer coisa com resignação e por seu amor, promete que ele mesmo lhes será recompensa, mas recompensa infinitamente superior a todos os nossos padecimentos: Ego protector tuus sum, et merces tua magna nimis (4) – “Eu sou teu protetor e a tua paga infinitamente grande”. Feliz, pois, daquele que é fiel a Deus no sofrimento das adversidades!

II. Diz o Eclesiástico:

“Aceita de boa mente tudo que te suceder, e tem constância na tua dor, e ao tempo da humilhação tem paciência; porque no fogo se prova o ouro e a prata, e os homens, que Deus quer receber, na fornalha da humilhação.” (5)

Portanto, se quisermos sofrer com paciência, mister é que ao amor de Deus unamos a humildade. O que cometeu um pecado mortal, lance um olhar sobre o inferno merecido e assim sofrerá com paciência qualquer desprezo e qualquer dor. – Nas humilhações é que se manifesta a santidade. Um tal é tido por santo, mas ao receber alguma injúria fica todo perturbado e queixa-se a todos. Que prova isso? Prova que não é ouro, mas chumbo.

Maldito amor próprio que quer intrometer-se em todas as nossas ações! Mesmo nos exercícios espirituais, na oração, nas penitências e em todas as obras de devoção ele acha interesses seus. Não é raro as almas espirituais caírem neste defeito. – Mulierem fortem quis inveniet? – Qual é a alma forte que livre de toda paixão e inteiramente desinteressada continue a amar Jesus Cristo entre os desprezos e sofrimentos, entre as desolações interiores e as contrariedades da vida? Salomão diz que tais almas são verdadeiras pedras preciosas: veem trazidas da extremidade da terra e por isso são raríssimas: Procul et de ultimis finibus pretium eius (6).

Meu Jesus crucificado, eu sou um daqueles que ainda em suas devoções buscam apenas o próprio gosto e a própria satisfação; sendo assim todo diferente de Vós, que por meu amor levastes vida atribulada e falta de todo alívio. Dai-me o vosso auxílio, porque de hoje em diante quero buscar tão somente o vosso agrado e a vossa glória. Quero amar-Vos desinteressadamente; mas sou fraco; Vós me dareis a força para assim fazer. Eis-me aqui; sou vosso, disponde de mim conforme a vossa vontade; fazei com que Vos ame e nada mais Vos peço. – Ó Maria, minha Mãe, pela vossa intercessão obtende-me a fidelidade a Deus.

Referências:

(1) Jó 14, 14 (2) 1 Cor 15, 52 (3) Ct 2, 12 (4) Gn 15, 1 (5) Eclo 2, 4-5 (6) Pv 31, 10

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 30-32)

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