Da gratidão para com as dores de Maria Santíssima
Honora patrem tuum: et gemitus matris tuae ne obliviscaris – “Honra a teu pai e não te esqueças dos gemidos de tua mãe” (Ecle 7, 29)
Sumário. Posto que a morte de Jesus Cristo fosse suficiente para remir uma infinidade de mundos, quis todavia a Santíssima Virgem, pelo amor que nos tem, cooperar para a nossa salvação, preferindo sofrer toda espécie de dores a ver nossas almas sem redenção e na antiga perdição. É nosso dever respondermos a tamanho amor da Rainha dos Mártires, ao menos pela compaixão de suas dores e pela imitação de seus exemplos. I. São Boaventura, contemplando a divina Mãe ao pé da Cruz para assistir à morte de seu Filho, volve-se para ela e lhe diz: Senhora, porque quisestes vós também sacrificar-vos sobre o Calvário? Não bastava, por ventura, para nossa redenção um Deus crucificado, que quisésseis ser crucificada também vós sua Mãe? Non sufficiebat Filii passio, nisi crucifigeretur et Mater? — Ah certamente bastava a morte de Jesus para salvar o mundo e ainda infinitos mundos; mas, pelo amor que nos tem nossa boa Mãe quis também concorrer para a nossa salvação, pelos merecimentos de suas dores, que ofereceu por nós no Calvário.
Por isso diz o Bem-aventurado Alberto Magno, que, assim como somos obrigados a Jesus pela Paixão que quis sofrer por nosso amor, assim também somos obrigados a Maria pelo martírio, que na morte do Filho quis espontaneamente padecer pela nossa salvação. — Acrescento espontaneamente, porque, como revelou o Anjo a Santa Brígida, esta nossa tão piedosa e benigna Mãe antes quis sofrer todas as penas do que ver as almas privadas da redenção e deixadas na antiga miséria.
A bem dizer, foi este o único alívio de Maria, no meio de sua grande dor pela paixão do Filho: o ver com a sua morte remido o mundo perdido e reconciliados com Deus os homens seus inimigos. Mas, infelizmente, esse único alívio da Santíssima Virgem foi-lhe amargurado pela previsão que, se a morte de Jesus havia de ser para muitos a causa de ressurreição e de vida, para muitos outros seria por própria culpa causa de maior ruína e de morte eterna: Ecce positus est hic in ruinam et in resurrectionem multorum in Israel (2) — “Eis que este está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel”.
II. Tão grande amor de Maria em unir ao sacrifício da vida do Filho o de seu próprio coração, bem merece a nossa gratidão; e a nossa gratidão consista em meditarmos e nos compadecermos das suas dores. Mas disto exatamente queixou-se ela com Santa Brígida: “Minha filha”, disse-lhe, “quando considero os cristãos que vivem no mundo, para ver se há quem se compadeça de mim e se lembre de minhas dores, acho bem poucos, ao passo que a maior parte deles se esquecem por completo. Por isso quero que tu ao menos delas te lembres e nelas medites muitas vezes, e compadecendo-te de mim, procures, quanto for possível, imitar a minha resignação em padecê-las: Vide dolorem meum, et imitare quantum potes et dole” — Meu irmão, imaginemos que a divina Mãe nos fala da mesma maneira, particularmente nestes dias do carnaval, em que os pecadores renovam tantas vezes a crucifixão de Jesus e por conseguinte também as dores de Maria.
Ó minha dolorosa Mãe, vós tanto chorastes o vosso filho, morto pela minha salvação; mas que me aproveitarão as vossas lágrimas, se eu me condeno? Pelos merecimentos, pois, das vossas dores, alcançai-me uma verdadeira dor dos meus pecados, uma verdadeira emenda de vida, com uma perpétua e tenra compaixão da Paixão de Jesus e das vossas dores. Se Jesus e vós, sendo tão inocentes, tanto tendes padecido por mim, alcançai-me que eu, réu do inferno, padeça também alguma coisa por vosso amor.
Finalmente, ó minha Mãe, pela aflição que experimentastes, vendo diante de vossos olhos os vosso Filho, entre tantas penas, inclinar a cabeça e expirar sobre a Cruz, vos suplico que me alcanceis uma boa morte. Ah, advogada dos pecadores, não deixeis de assistir à minha alma aflita e combatida, na grande passagem que terá de fazer para a eternidade. E porque é fácil ter eu então perdido a fala e a voz para invocar o vosso nome e o de Jesus, em que ponho todas as minhas esperanças, rogo desde agora a vosso Filho, vosso Esposo e a vós, que me socorrais naquele último momento, e digo: † Jesus, Maria e José, expire a minha alma em paz em vossa companhia (3).
Referências: (1) Se entre a Epifania e a Septuagésima só houve três semanas, os devotos de Maria Santíssima poderão tomar hoje a meditação sobre Maria Santíssima modelo da esperança (2) Lc 2, 34 (3) Indulg. de 100 dias, cada vez
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 259-262)
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