Das Securas Espirituais
Posuit me desolatam, toto die moerore confectam – “Pôs-me em desolação, afogada em tristeza todo o dia” (Lm 1, 13)
Sumário. O Senhor prova os que o amam com securas e tentações. Quando, pois, te achares em tal provação, não percas a coragem, mas entrega-te com abandono inteiro à misericórdia divina. Faze continuamente atos de humildade e resignação, confessando que mereces ser tratado assim e ainda pior. Não omitas sobretudo nenhuma das tuas boas obras e orações, muito embora as faças sem gosto e contra vontade. Virá o tempo em que serás bem pago por tudo.
I. Diz São Francisco de Sales que a verdadeira devoção e o verdadeiro amor de Deus não consistem em sentir consolações espirituais nos exercícios de piedade, mas em ter uma vontade resoluta de só querer e fazer aquilo que Deus quer. É só para este fim que devemos orar, comungar, praticar a mortificação e qualquer outra virtude que agrada a Deus, muito embora façamos isso sem satisfação alguma e no meio de mil tentações e aborrecimentos de espírito. “Pelas securas e tentações”, diz Santa Teresa, “o Senhor experimenta os que O amam. Posto que a secura continue durante toda a vida, não deixe a alma de fazer oração; virá tempo em que será bem paga por tudo”.
Segundo o aviso dos mestres da vida espiritual, devemos, no tempo da desolação, exercitar-nos principalmente em fazer atos de humildade e de resignação. Não há tempo mais próprio para conhecermos a nossa fraqueza e miséria como quando na oração estamos áridos, aborrecidos, distraídos e desgostosos, sem fervor sensível, mesmo sem desejo sensível de progredirmos no amor divino. — Então a alma diz: Senhor, tende compaixão de mim! Vede como sou incapaz de fazer qualquer ato de virtude. Ela deve também praticar a resignação e dizer: Meu Deus, deixai-me ficar nesta escuridão e aflição; seja sempre feita a vossa vontade! Não desejo consolações; basta-me estar aqui para Vos agradar. E assim deve ela perseverar na oração todo o tempo determinado.
A maior pena, porém, das almas amantes da oração, não é tanto a secura, como a escuridão, na qual a alma se vê privada de toda a boa vontade, e tentada contra a fé e contra a esperança. Eis porque nesse tempo a solidão lhe é um horror, e a oração lhe parece um inferno. Então ela deve criar coragem e lembrar-se que esses temores de ter consentido na tentação ou na desconfiança, não são senão temores vãos e tormentos da alma, mas não atos da vontade e por isso são isentos de pecado.
II. No tempo da desolação e escuridão não quer a alma assegurar-se de que está na graça de Deus e isenta de pecado. Tu então queres saber e estar certo de que Deus te ama; mas Deus nesse tempo não t´o quer fazer conhecer. Quer que te apliques à humildade, à confiança na sua bondade, e à resignação à sua vontade. Tu então queres ver, e Deus não quer que vejas. — A este respeito diz São Francisco de Sales que a resolução que tens (ao menos com a ponta da vontade) de amar a Deus e de Lhe não dar deliberadamente o menor desgosto, te afiança que estás na graça de Deus. Nesse tempo, abandona-te todo nos braços da misericórdia divina, protesta que não queres outra coisa senão Deus e sua santa vontade, e não temas. Oh, quanto agradam a Deus os atos de confiança e de resignação feitos no meio dessas trevas pavorosas!
Santa Joana de Chantal sofreu por espaço de 41 anos penas interiores, acompanhadas de tentações horrorosas e do temor de estar em pecado e abandonada de Deus. Pelo que dela dizia São Francisco de Sales, que a sua bendita alma era como um músico surdo, que canta bem, mas não pode gozar da voz, porque a não ouve. — A alma que é provada pelas securas, por mais densas que sejam no sangue de Jesus Cristo, resigne-se à vontade divina e diga:
Ó Jesus, minha esperança e único amor da minha alma, eu não mereço as vossas consolações. Guarde-as para aqueles que Vos têm amado sempre; eu só mereci o inferno, abandonado para sempre de Vós e sem esperança de Vos poder ainda amar. Privai-me de todas as coisas, mas não de Vós. Amo-Vos, miserável como sou. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; consagro-me todo a Vós e não quero mais viver para mim mesmo. Dai-me força para Vos ser fiel. — Ó Virgem Santíssima, esperança dos pecadores, tenho confiança na vossa intercessão; fazei que eu ame a meu Deus, meu Criador e Redentor.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 285-287)
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