Do negócio da eterna salvação
Rogamos autem vos, fratres… ut vestrum negotium agatis – “Nós vos rogamos, irmãos… que trateis de vosso negócio” (1 Ts 10-11)
Sumário. O negócio da nossa eterna salvação é para nós não só o negócio mais importante, mas o único que nos deva preocupar; porque, se o errarmos uma vez, está tudo perdido e perdido para sempre. Mas ó maravilha, todos os que possuem a fé reconhecem que é assim e, contudo, entre os cristãos são poucos os que tratam seriamente de um negócio tão importante. Ponhamos a mão na consciência e se por ventura sejamos do número desses descuidados, resolvamos emendar-nos depressa, custe o que custar.
I. O negócio da nossa salvação eterna não só é para nós o mais importante, mas o único que nos deve preocupar; porque, se o errarmos, está perdido tudo. O pensamento da eternidade bem meditado basta para fazer um santo. O servo de Deus P. Vicente Carafa dizia que, se todos os homens se lembrassem, com viva fé, da eternidade da vida futura, a terra se tornaria um deserto; pois que ninguém se ocuparia ainda com os negócios da vida presente.
Oh! Se todos tivessem sempre diante dos olhos a grande máxima ensinada por Jesus Cristo:
“De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (1)
Foi esta a máxima que levou tantos homens a deixarem o mundo; tantas virgens nobres e até de sangue real, a se encerrarem num convento; tantos anacoretas a irem viver nos desertos; e tantos mártires a darem a vida pela fé. Lembravam-se de que, se perdessem a alma, todos os bens deste mundo de nada lhes poderiam servir na vida eterna. — Eis porque o Apóstolo escreveu a seus discípulos:
“Nós vos rogamos, meus irmãos…, que trateis de vosso negócio.” (2)
De que negócio é que falava o Apóstolo? Falava daquele negócio cuja perda acarreta a perda do reino eterno do paraíso e o ser lançado num abismo de tormentos que nunca jamais terão fim.
Tinha, pois, razão São Filipe Neri em chamar de loucos a todos aqueles que nesta vida só cuidam de riquezas e dignidades e pouco se importam com a salvação da alma. Todos eles, dizia o Bem aventurado João de Ávila, mereceriam ser encerrados num hospício de alienados: Como? (quis dizer o Bem-aventurado) Vós credes que há uma eternidade de penas para os que O ofendem; e apesar disso ainda o ofendeis?
II. Toda a perda de riquezas, de reputação de parentes, de saúde, mesmo da vida, é reparável; ao menos por uma boa morte e pela aquisição da vida eterna, como sucedeu aos santos mártires. Mas qual o bem deste mundo, qual a fortuna, seja embora a maior que se possa esperar nesta vida, que compensa a perda da alma? Quam dabit homo commutationem pro anima sua? (3) — “Que dará o homem em troca de sua alma?”
Quem morre na inimizade de Deus e perde a alma, perde ao mesmo tempo toda a esperança de reparar a sua ruína: Mortuo homine impio non erit ultra spes (4) — “Morto o homem ímpio, não resta mais esperança alguma”. Oh céus! Se o artigo da vida eterna não fosse senão uma simples opinião duvidosa dos doutores, deveríamos ainda fazer todo o empenho para nos assegurar a eternidade bem-aventurada e nos livrar da eternidade infeliz. Mas não; não é uma coisa duvidosa; é uma certeza, é um ponto de fé que uma ou outra nos caberá em sorte.
Mas, ó maravilha! Toda a pessoa que tem fé e medita nesta verdade, diz: Com efeito, é preciso cuidar na salvação da alma; e, contudo são poucos os que nisso cuidam deveras. Usa-se de toda prudência para ganhar tal demanda, obter tal posto, e põe-se de parte o negócio da salvação eterna, sem pensar, como diz Santo Euquério, que este erro é pior do que todos os outros; pois, perdida a alma, está perdida irremediavelmente. Utinam saperent et intelligerent, ac novissima providerent! (5) — “Oxalá que eles tivessem sabedoria e inteligência e previssem os fins”. Infelizes dos sábios que sabem muita coisa, mas não sabem cuidar da sua alma, para obterem uma sentença favorável no dia do juízo!
Ah, meu Redentor, derramastes o vosso sangue para adquirirdes a minha alma e eu tantas vezes a perdi e tornei a perdê-la! Agradeço-Vos o tempo que ainda me concedeis para a recuperar recuperando a vossa graça. Ó meu Deus, antes tivesse eu morrido e nunca Vos tivesse ofendido! Consola-me, porém, que não sabeis desprezar um coração humilhado e contrito que se arrepende de seus pecados. † Meu Jesus, misericórdia!
— Ó Maria, refúgio dos pecadores, socorrei um pecador que se recomenda a vós e tem confiança em vós.
Referências:
(1) Mt 16, 26 (2) 1 Ts 4, 11 (3) Mt 16, 26 (4) Pv 11, 7 (5) Dt 32, 29
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 136-139)
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