Do sagrado Viático
Ambulavit in fortitudine cibi illius… usque ad montem Dei – “Com o vigor daquela comida caminhou… até o monte de Deus” (3 Rs 9, 8)
Sumário. Considera, meu irmão, que mais cedo ou mais tarde te acharás nas angústias terríveis da morte. Feliz de ti se tiveres sido devoto a Jesus sacramentado! Acedendo a teu desejo, virá então a visitar-te em tua casa, e não somente para te assistir e defender, senão ainda para te alimentar com a sua carne, e servir-te de guia no caminho do céu. Para obteres tão preciosa graça, renova muitas vezes o protesto de querer receber os sacramentos na vida e na morte. Quando comungares, faze-o por modo de Viatico, e recomenda cada dia a Deus os pobres moribundos.
I. São muito grandes as angústias dos pobres moribundos, quer por causa do remorso dos pecados cometidos, quer por causa do medo do juízo próximo, quer por causa da incerteza da salvação eterna. É então especialmente que se aparelha o inferno e empenha todas as suas forças para se apoderar da alma que vai passar para a eternidade. Sabe que pouco tempo lhe resta para a ganhar e que, perdendo-a nessa hora, perde-a para sempre. Diz o profeta Isaías que então a casa do pobre moribundo será repleta de espíritos infernais. Implebuntur domus eorum draconibus (1).
Meu irmão, se não morreres de morte improvisa, cedo ou tarde experimentarás essas terríveis angústias. Mas feliz de ti, se tiveres sido devoto de Jesus sacramentado! Muito embora teu estado fosse mais lamentável que o de Lázaro depois de quatro dias de sepultura; muito embora talvez nenhuma pessoa te quisesse assistir: aquele que nunca se incomodou para te visitar no tempo de tua prosperidade, logo que te souber gravemente enfermo, deixará a casa própria para ir à tua; irá, não somente para te assistir e defender, mas além disso para te alimentar com a sua carne virginal.
Entra o sacerdote, e em nome do divino Redentor que ele traz nas mãos, anuncia a paz a essa morada feliz. Em seguida implora para ti misericórdia, indulgência e absolvição de todos os teus pecados; e finalmente, pondo-te sobre a língua a sagrada Hóstia, diz: “Accipe viaticum corporis Domini nostri Iesu Christi. Meu irmão, recebe o viático do corpo de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele te proteja contra o inimigo maligno e te leve salvo à vida eterna. Assim seja.” (2) E assim fortalecido com esse manjar divino, à imitação de Elias depois de comer o pão trazido pelo anjo, caminharás com mais presteza para a pátria celestial: “Com o vigor daquele alimento caminhou até o monte de Deus.” (3)
II. Já que é possível que na tua última doença talvez não possas comungar, habitua-te desde hoje a receber Jesus Cristo na comunhão em forma de viático; isto é, como se estivesses para passar à eternidade. Neste espírito poderás fazer todas as tuas comunhões, mas especialmente a do dia do retiro do mês, depois da protestação para a boa morte, e da renovação de teu propósito de querer então receber os santos sacramentos.
Para obteres tão grande graça, toma o hábito tão belo de acompanhar, ao menos em espírito, o santíssimo Viatico quando é levado aos doentes; e cada dia, quer assistas à missa, quer faças a visita, não deixes de recomendar a Jesus os pobres enfermos que tenham de morrer durante o dia, afim de que recebam os socorros religiosos.
Amabilíssimo Salvador meu, aqui estou para Vos visitar neste altar; Vós porém, me visitareis com muito mais amor, quando na minha derradeira enfermidade Vos fizerdes meu viático; e retribuis a minha visita, quando desceis à minha alma pela santa comunhão. Então não me honrais somente com a vossa presença, mas Vos fazeis meu sustento, Vos unis e dais todo a mim, de modo que Vos posso dizer então com verdade: Meu Jesus, agora sois todo meu. Mas, já que Vos dais todo a mim, muito justo é que eu me dê todo a Vós. Sou um verme miserável e Vós sois meu Deus. Ó Deus de amor! Ó amor da minha alma, quando me verei todo vosso, não só em palavra, mas em realidade?
Este prodígio Vós podeis operá-lo; aumentai em mim a confiança nos merecimentos do vosso sangue, para que não deixe de obter de Vós esta grande graça; ser, antes de morrer, todo vosso e de modo nenhum de mim mesmo.
Escutais, ó Senhor, as preces de todos; ouvi também a prece de uma alma que deseja amar-Vos verdadeiramente. Quero amar-Vos com todas as minhas forças; quero obedecer-Vos em tudo, sem interesse, sem consolação, sem recompensa. Quero servir-Vos por amor, unicamente para Vos agradar, unicamente para satisfazer vosso Coração, a quem devo amor terníssimo. A minha recompensa será o vosso amor. – Ó Mãe do belo amor, Maria, rogai a vosso Filho por mim.
Referências:
(1) Is 13, 21 (2) Rit. Rom. (3) 3 Rs 19, 8
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 86-89)
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