Importância do último momento da vida
Mortuo homine impio, nulla erit ultra spes, et expectatio sollicitorum peribit – “Morto o homem ímpio, não restará mais esperança alguma e a expectação dos ambiciosos perecerá” (Pv 11, 7)
Sumário. Um pagão, a quem perguntaram qual era a melhor sorte neste mundo, respondeu: Uma boa morte. Que dirá, pois, o cristão, que sabe pela fé que nesse momento começa a eterna alegria ou o eterno sofrimento? Oh! De que importância é o último momento, a última respiração, o último cair do pano sobre o teatro do mundo! Que loucura, portanto, a nossa, se, por amor aos prazeres vis e passageiros deste mundo, nos expuséssemos ao perigo de morrermos de morte desgraçada e de irmos sofrer para sempre no inferno!
I. Que loucura! Por amor aos miseráveis e breves prazeres de tão curta vida, correr o risco de uma morte desgraçada e com esta principiar uma eternidade desgraçada! De que importância é o último momento, a última respiração, o último cair do pano sobre o teatro do mundo! Vale uma eternidade, ou de todas as alegrias, ou de todos os tormentos; uma vida, ou sempre feliz, ou sempre desgraçada! – Consideremos que Jesus Cristo quis morrer de morte tão ignominiosa e amarga para nos obter uma boa morte. Tantas vezes Ele nos convida, nos dá tantas luzes e nos avisa por tantas ameaças, afim de que nos determinemos a consumar o nosso último instante na graça de Deus!
Até um pagão, Antisthenes, a quem perguntaram qual era a melhor sorte neste mundo, respondeu: Uma boa morte. Que dirá, pois, um cristão, que sabe pela fé que então começa a eternidade, de forma que lhe cabe uma das duas sortes, ou a que traz a eterna alegria ou a que traz consigo o eterno sofrimento? – Se metessem num saco dois bilhetes, um com a palavra inferno, outro com a palavra céu e vos mandassem tirar a sorte, que precaução não tomaríeis para tirar a que vos desse direito ao céu? Como os desgraçados, condenados a jogar a vida, tremem ao estender a mão para lançar os dados, de cuja sorte depende a sua vida ou a sua morte!
Quais serão as tuas agonias, quando te aproximares desse último momento, quando tiveres de dizer: Do instante que se avizinha, depende a minha vida ou a minha morte eterna! Vai ser decidido se serei feliz para sempre ou desesperado para sempre! – São Bernardino de Sena conta que um príncipe, ao expirar, disse muito consternado: Eu que possuo tantas terras e palácios no mundo, não sei qual será a minha morada se vier a morrer esta noite! – meu Jesus, que será de mim no último instante da minha vida? Ah! Não me permitais que me perca e fique privado de Vós, meu único Bem.
II. Meu irmão, se acreditas que hás de morrer, que há uma eternidade, e que se morre só uma vez, porque não tomas a resolução de começar desde já, à hora em que lês estas reflexões, a fazer tudo que puderes para alcançares uma boa morte? Tremia um Santo André Avellino, dizendo: Quem sabe qual a sorte que me espera na outra vida? Tremia um São Luiz Bertram, e tremia de tal sorte, que não podia conciliar o sono, quando lhe vinha este pensamento: Quem sabe, se não te condenarás? – E tu, que tens talvez muitos pecados, não tremes?
Procura remediar em tempo e decide a dar-te a Deus com todas as veras; começa desde já uma vida que não te aflija, mas console na morte. Aplica-te à oração, frequenta os sacramentos, evita as ocasiões perigosas, e, se preciso for, deixa até o mundo, segura enfim a tua salvação eterna, e persuade-te de que, para segurar a tua salvação, não há precaução que seja exagerada.
Ó meu amado Salvador, quanto Vos sou obrigado! Como é que pudestes prodigalizar tantos benefícios a um ingrato, a um traidor, como eu tenho sido? Vós me criastes e, criando-me, já prevíeis as injúrias que Vos faria um dia. Morrendo por mim resgatastes-me e desde então prevíeis as minhas futuras ingratidões para convosco. Apenas entrado no mundo, voltei-Vos as costas e assim me entreguei à morte; mas Vós, por vossa graça, me restituístes à vida. Era cego, e Vós me iluminastes; tinha-Vos perdido, e Vós Vos deixastes achar por mim; era vosso inimigo e fizestes-me vosso amigo.
Ó Deus de misericórdia, fazei-me conhecer as obrigações que Vos tenho; e fazei-me chorar as ofensas que Vos fiz! Ah! Vingai-Vos de mim, dando-me uma grande dor dos meus pecados e não me castigueis privando-me da vossa graça e do vosso amor. – Ó Pai Eterno, aborreço e desteto soberanamente todas as injúrias que Vos fiz. Tende piedade de mim, por amor de Jesus Cristo. – Maria, minha Rainha e minha Mãe, ajudai-me com a vossa intercessão.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 235-237)
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