Maria Santíssima, modelo de humildade
Respexit humilitatem ancillae suae; ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes – “(Deus) pôs os olhos na baixeza da sua escrava; eis que desde agora me chamarão bem-aventurada todas as gerações” (Lc 1, 48)
Sumário. Assim como Maria Santíssima foi a primeira e mais perfeita discípula de Jesus Cristo em todas as virtudes, assim o foi também na virtude da humildade. A Santíssima Virgem tinha sempre o conceito mais baixo de si mesma, ocultava os seus dons celestes e suportava com resignação todas as humilhações e desprezos. Que motivo de pejo para nós, que nos gloriamos de ser filhos de Maria e somos tão orgulhosos!… Ponderemos bem, que, a continuarmos assim, ficaremos sempre igualmente pobres de bens espirituais; porque a divina Mãe, imitando Jesus Cristo, resiste aos soberbos e comunica suas graças aos humildes.
I. Era desconhecida no mundo a virtude, tão bela e tão necessária, da humildade; mas veio o Filho de Deus à terra para a ensinar pelo seu exemplo. E, assim como Maria foi a primeira e mais perfeita discípula de Jesus Cristo em todas as virtudes, assim o foi também na virtude da humildade, pela qual mereceu ser exaltada sobre todas as criaturas.
O primeiro ato de humildade é o ter baixo conceito de si; e Maria teve sempre tão modesta opinião de si própria, que, posto que se visse cheia de graças, contudo, segundo foi revelado a Santa Mechtildes, não se preferiu jamais a ninguém, lembrando-se de que tudo era dom da liberalidade divina.
Outro ato de humildade é ocultar os dons celestes. Pois bem, Maria Santíssima quis encobrir mesmo a São José a graça de ter sido feita Mãe de Deus, apesar de que a manifestação parecia necessária para livrar o pobre Esposo das suspeitas, que podia formar acerca da sua pureza, vendo-a gravida, ou ao menos para o tirar da confusão que a ignorância do mistério lhe devia causar.
É, além disso, próprio dos humildes o servir; e Maria não recusou servir a Isabel pelo espaço de três meses. Quando Isabel a elogiou, chamando-a bem-aventurada, bendita entre as mulheres e a mãe de seu Senhor (1), a humilde Virgenzinha, recusando aqueles louvores e atribuindo-os a Deus só, respondeu com aquele humilde cântico: Magnificat anima mea Dominum (2) – “Minha alma engrandece o Senhor”.
Finalmente, para não falar dos demais atos, foi por amor à santa humildade que Maria teve sempre uma vida retirada; e estando no Cenáculo, quis ocupar o último lugar, depois dos apóstolos e das outras mulheres, como São Lucas dá a entender (3). A Santa Virgem foi também tão amante dos desprezos, que no tempo da Paixão de Jesus, não deixou de aparecer em público no Calvário, não obstante o desdouro de se dar a conhecer por mãe do condenado que morreu como infame de morte infamante.
– Por isso a Venerável Soror Paula de Foligno dizia:
“No mundo não há humildade, nem ainda em mínimo grau, em comparação com a humildade de Maria.”
II. Não há dúvida que para a nossa natureza corrompida pelo pecado, não há talvez, como diz São Gregório Nysseno, virtude mais difícil de praticar, exceção feita da castidade, como a virtude da humildade. Não há, porém, remédio, jamais poderemos ser verdadeiros filhos de Maria e gozar suas liberalidades maternais, se não somos humildes; porquanto, imitando seu divino Filho, ela também resiste aos soberbos e dá as suas graças aos que se humilham (4). Pelo que São Bernardo nos exorta: Se não podes imitar a virgindade da humilde, imita a humildade da virgem.
Resolvamo-nos, portanto, como fruto desta meditação, a imitar a Santa Virgem no exercício da humildade, a qual consiste em nos termos por tão miseráveis como somos, incapazes de fazer coisa alguma, a não ser o pecado; e em nos comprazermos no desprezo da parte dos outros. Lembremo-nos do que costumava dizer o Padre Balthazar Alvarez:
“O tempo das humilhações é o tempo de adquirirmos tesouros de merecimentos.”
Ganharemos talvez mais aceitando em paz um desprezo, do que jejuando dez dias a pão e água.
Portanto, ó minha Rainha, não poderei jamais ser vosso verdadeiro filho se não for humilde. Mas não vedes que os meus pecados, depois de me terem feito ingrato a meu Senhor, me têm tornado ainda soberbo? Ó minha Mãe, remediai isto; pelos merecimentos da vossa humildade, impetrai-me a graça de ser humilde e deste modo fazer-me vosso filho. – E Vós, ó meu Jesus humildíssimo, que, para me ensinar a suportar os desprezos e para mos tornar suaves e amáveis, quisestes ser o mais desprezado e humilhado até ser saturado de opróbrios e de Vos fazer o refúgio dos homens; remediai com a plenitude de vossas misericórdias as desordens de meu orgulho e fazei-me semelhante a Vós. † Ó Jesus, manso e humilde de coração, fazei meu coração semelhante ao vosso (5)
Referências:
(1) Lc 1, 42 (2) Lc 1, 46 (3) At 1, 14 (4) Tg 4, 6. 1 Pd 5, 5 (5) Indulgência de 300 dias
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 317-319)
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