Momento da morte
Si ceciderit lignum ad austrum aut ad aquilonem, in quocumque loco ceciderit, ibi erit – “Se a árvore cair para o sul ou para o norte, em qualquer lugar onde cair, aí ficará” (Ecle 11, 3)
Sumário. É uma verdade da fé que a morte é um momento de que depende a eternidade. Quem a errar então, tê-la-á errado para sempre, sem esperança de remédio. Se cremos nesta verdade, porque não tomamos a resolução de nos afastarmos de todo o perigo e de tomar todas as providências para nos assegurarmos uma boa morte? Nenhuma cautela será demasiada para nos assegurarmos a vida eterna! Lembremo-nos de que os dias da nossa vida são outras tantas graças que Deus nos concede para o ajuste das contas, antes que venha o momento terrível. I. Considera que a morte é o momento do qual depende a eternidade. Já está o homem nos extremos da vida e, portanto, próximo a uma das duas eternidades. A sua sorte depende do último suspiro, depois do qual, no mesmo instante, a alma ou está salva ou condenada para sempre. Ó momento, ó suspiro, de que depende uma eternidade, ou de glória ou de tormentos; uma eternidade, ou sempre feliz ou sempre desgraçada; ou de prazeres, ou de angústias; uma eternidade de todo o bem ou de todo o mal; uma eternidade no paraíso ou no inferno. — Numa palavra, se naquele momento te salvas, nada mais terás a sofrer; estarás sempre contente e feliz. Se, ao contrário, erras o passo e te condenas, viverás sempre aflito e desesperado, enquanto Deus for Deus. Na morte conhecerás o que quer dizer paraíso, inferno, pecado, Deus ofendido, lei de Deus desprezada, pecados calados na confissão, restituição omitida.
Desgraçado de mim! Dirá então o moribundo, daqui há poucos instantes tenho de comparecer à presença de Deus! Qual será a sentença que vai ser pronunciada sobre mim? Para onde irei? Para o paraíso ou para o inferno? Irei gozar entre os anjos ou arder entre os condenados? Dentro em pouco, ai de mim! O saberei. Onde chegar no primeiro momento, ali ficarei sempre. Ah! Dentro de poucas horas, de poucos instantes, que será de mim? Que será de mim se não reparo aquele escândalo? Se não restituo tal objeto, aquela fama? Se não perdoo de coração ao meu inimigo? Se não me confesso bem? — Então detestarás mil vezes o dia em que pecaste; aquele deleite, aquela vingança que tomaste. Porém, será tarde e sem fruto, porque só o farás por temor do castigo e não por amor de Deus.
— Ah Senhor! Eis que desde este momento me converto a Vós, não quero esperar até a hora da morte; desde hoje eu Vos amo, Vos abraço e abraçado convosco quero morrer.
II. Meu irmão, nós cremos ou não cremos. Se cremos que há uma eternidade, que se tem de morrer, e que se morre uma só vez, de sorte que, se então errarmos, o erro será eterno, sem esperança de o podermos remediar, porque não tomamos a resolução de nos afastar de todo o perigo de perdição e de tomar todas as providências para nos assegurar uma boa morte? Nenhuma cautela será demasiada para nos garantir a vida eterna. Os dias da nossa vida são outras tantas graças que Deus nos concede a fim de ajustarmos as nossas contas para a hora da morte. Apressemo-nos, pois não há tempo a perder.
Eis-me aqui, meu Deus; dizei-me o que tenho de fazer para me salvar; estou pronto a fazer tudo. Eu Vos virei as costas, mas estou sumamente arrependido, e quisera morrer de dor. Senhor, perdoai-me, e não permitais que ainda me separe de Vós. Se jamais houvesse de me suceder tamanha desgraça, fazei-me antes morrer nesta hora, da morte mais dura que quiserdes. Aceito-a e Vo-la peço. Mas livrai-me do castigo de me ver privado da vossa graça. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, de todo o meu coração, e protesto que quero morrer fazendo um ato perfeito de amor, para assim continuar a amar-Vos eternamente no paraíso.
Santíssima Virgem e minha Mãe Maria, não me abandoneis nessa hora. Vinde então receber a minha alma e apresentá-la ao vosso Filho. Desde agora Vos espero e quero morrer debaixo de vosso manto, abraçando os vossos pés e dizendo: † Jesus, José e Maria, expire a minha alma em paz na vossa companhia (1).
Referências: (1) Indulgência de 100 dias cada vez
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 233-237)
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