O Justo morre numa Paz Dulcíssima

O Justo morre numa Paz Dulcíssima

O Justo morre numa Paz Dulcíssima

Visi sunt oculis insipientium mori… illi autem sunt in pace — “Aos olhos dos insensatos parece que morreram … eles, porém, estão em paz” (Sb 3, 2.3)

Sumário. Parece aos olhos dos insensatos que os servos de Deus morrem na aflição; mas enganam-se, porque o Senhor sabe como consolar os seus filhos no derradeiro momento. Assim como os que morrem em pecado, sentem antecipadamente no leito da morte certos tormentos do inferno, os remorsos e o desespero, assim os santos, pelos atos do amor de Deus, pelo desejo e esperança de brevemente o possuírem, já antes de morrer têm um antegozo daquela paz de que plenamente gozarão no céu. Felizes de nós, se por uma vida boa soubermos merecer uma morte tão suave!

I. Parece aos olhos dos insensatos que os servos de Deus morrem na aflição e contra vontade, assim como morrem os mundanos. Mas não; Deus bem sabe consolar os seus filhos nos derradeiros momentos, e nas próprias dores da morte lhes faz sentir grandes doçuras, como um antegozo do paraíso que brevemente lhes quer dar. Assim como os que morrem em pecado, começam a sentir, ainda no leito, certos tormentos do inferno, os remorsos, os temores, o desespero; assim, ao contrário, os santos, pelos atos de amor de Deus, que então repetem com mais frequência, pelo desejo e esperança que têm de em breve o possuir, começam já antes da morte a prelibar aquela paz de que plenamente gozarão no céu.

Para os santos a morte não é castigo, mas sim recompensa:

Cum dederit dilectis suis somnum, ecce haereditas Domini (1) — “Quando der sono aos seus amados, eis aqui a herança do Senhor”

A morte do que ama a Deus, não é chamada morte, mas sono de modo que bem poderá dizer:

In pace in idipsum dormiam et requiescam (2) — “Dormirei e repousarei na paz do Senhor”

O Padre Soares morreu em tamanha paz, que disse ao expirar:

Nunquam putabam tam dulce esse mori — “Nunca pude pensar que fosse tão doce a morte”

O cardeal Barônio, a quem o médico recomendava que não pensasse tanto na morte, respondeu:

“Por que não? Talvez por ter eu medo da morte? Não a receio, amo-a”

O cardeal Fisher, bispo de Rochester, quando ia morrer pela fé, vestiu os melhores vestidos que possuía, dizendo que ia para umas bodas. Quando avistou o instrumento do suplício, atirou para o lado o cajado e exclamou:

Ite, pedes, parum a paradiso distamus — “Eia, meus pés, caminhai depressa, que não estamos longe do paraíso”

Antes de morrer entoou o Te Deum em ação de graças a Deus, que lhe concedeu a ventura de morrer mártir pela santa fé, e cheio de alegria ofereceu a cabeça ao machado do algoz.

São Francisco de Assis cantava ao morrer, e convidou os outros a cantarem com ele. “Meu pai”, disse-lhe frei Elias, “na morte se deve chorar e não cantar”. “Pois eu”, respondeu o santo, “não posso senão cantar, porque vejo que em breve vou gozar a Deus”. Uma religiosa teresiana, morrendo ainda muito nova, disse às outras irmãs que estavam chorando em derredor dela:

“Por que chorais? Vou encontrar-me com o meu Jesus; se me tendes amor, regozijai-vos comigo”.

II. Conta o Padre Granada que um caçador encontrou um dia um solitário todo coberto de lepra, o qual estava morrendo, mas cantando. Disse-lhe o caçador:

“Como é que podes cantar nesse estado?”

Ao que o solitário respondeu:

“Meu irmão, entre mim e Deus há apenas o muro do meu corpo: vejo-o cair em ruínas, vai-se demolindo a minha prisão e vou gozar da vista de Deus. Isto me consola e me faz cantar”.

Semelhante desejo de ver a Deus levou Santo Inácio, mártir, a dizer que, se as feras não viessem tirar-lhe a vida, ele mesmo as provocaria para o devorarem. Santa Catarina de Gênova não podia consentir que se considerasse a morte como desgraça, e dizia:

“Ó morte querida, quanto és mal apreciada! Por que não vens ter comigo, que te chamo dia e noite?”

Santa Teresa desejava também tanto a morte, que para ela era morrer o não morrer, e neste sentimento compôs a sua célebre poesia: Morro, porque não morro. Tal é a morte para os santos.

Ah, meu soberano Bem, meu Deus, se no passado não Vos amei, agora me converto inteiramente a Vós. Renuncio a todas as criaturas e determino-me a amar unicamente a Vós, meu amabilíssimo Senhor. Dizei o que desejais de mim, que tudo quero fazer. Bastante Vos ofendi; quero empregar todo o resto da minha vida em Vos agradar. Fortalecei-me, a fim de que o meu amor compense a ingratidão de que até agora usei para convosco. Há muitos anos que merecia arder nos fogos do inferno, mas Vós tanto tendes corrido atrás de mim, que afinal me atraístes a Vós. Fazei que agora arda no fogo do vosso amor.

Amo-Vos, bondade infinita! Quereis ser o único objeto do meu amor, e com justiça, porque mais do que os outros me tendes amado e só Vós mereceis ser amado. Só a Vós quero amar, e quero fazer o que puder para Vos agradar. Fazei de mim o que quiserdes. Basta que Vos ame e que me ameis. Maria, minha Mãe, assisti-me, rogai a Jesus por mim.

Referências: (1) Sl 126, 2.3. (2) Sl 4, 9.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano Eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 438-441)

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