Sétima palavra de Jesus Cristo na Cruz
Clamans voce magna Jesus ait: Pater, in manus tuas commendo spiritum meum – “Jesus, dando um grande brado, disse: Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito” (Lc 23, 46)
Sumário. Antes de expirar, soltou Jesus um grande brado para nos dar a entender que morria, não pela malevolência de seus inimigos, mas por sua própria vontade. Entrega o espírito nas mãos de seu Pai e recomendando-Lhe a própria pessoa, recomendando-Lhe juntamente todos os fiéis, que pelos seus merecimentos deviam ser salvos. Se formos devotos da Paixão de Jesus Cristo, oh, que conforto nos darão na hora da morte estas suas palavras: Senhor, em vossas mãos encomendo a minha alma!
I. Diz Eutíquio que Jesus soltou esse grande brado para dar a entender a todos que era verdadeiramente o Filho de Deus, visto que chamava Deus de seu Pai. Mas, São João Crisóstomo diz que Jesus bradou em voz alta para tornar patente que não morria por necessidade, mas por sua própria vontade, falando tão alto quanto estava próximo a expirar, o que não podem fazer os agonizantes por causa da grande fraqueza que sentem. — Esta explicação do Santo é mais conforme ao que Jesus Cristo mesmo havia dito em vida, a saber: que pela sua própria vontade sacrificava a vida pelas suas ovelhas e não pela vontade e malícia de seus inimigos: Et animam meam pono pro ovibus meis… Nemo tollit eam a me, sed ergo pono eam a meipso (1).
Acrescenta Santo Atanásio que Jesus Cristo, recomendando-se ao Pai, recomendou-Lhe ao mesmo tempo todos os fiéis que pelos seus merecimentos deviam ser salvos; porquanto a cabeça forma com os membros um só corpo. Pelo que o Santo diz que Jesus entendeu repetir então o pedido feito pouco antes: Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, a fim de que sejam um como nós (2).
É o que fez São Paulo dizer, quando estava na prisão: Patior sed non confundor (3) — Suporto estes sofrimentos, mas não tenho pejo deles, porque depositei o tesouro de meus sofrimentos e de todas as minhas esperanças nas mãos de Jesus Cristo e sei que Ele é grato e fiel para com aqueles que padecem por seu amor. — Se Davi já punha toda a sua esperança no Redentor vindouro, quanto mais não o deveremos fazer nós, visto que Jesus já consumou a nossa redenção? Digamos-Lhe, pois, com grande confiança: In manus tuas commendo spiritum meum; redemisti me, Domine Deus veritatis (4) — “Em tuas mãos encomendo o meu espírito; remiste-me, Senhor Deus da verdade”.
II. Pai, em tuas mãos encomendo o meu espírito. Que conforto trazem estas palavras aos agonizantes contra as tentações do inferno e os temores causados pelos pecados cometidos! — Mas, Jesus, meu Redentor, não quero esperar até a hora de minha morte para Vos encomendar a minha alma; desde já Vô-la encomendo; não permitais que ela ainda se afaste de Vós. Vejo que até agora a vida me tem servido unicamente para Vos ofender; não consintais que no resto de minha vida continue a Vos causar desgostos.
Ó cordeiro de Deus, sacrificado sobre a cruz e morto por meu amor, qual vítima de amor e exausto pelas dores, fazei pelos merecimentos de vossa morte que Vos ame com todo o meu coração e seja todo vosso nos dias que me restam. E, quando chegar o fim de meus dias, deixai-me morrer abrasado em vosso amor. Vós morrestes por meu amor, eu quero morrer por amor vosso. Vós Vos destes todo a mim, eu me consagro todo a Vós. Em vossas mãos, ó Senhor, encomendo o meu espírito; remistes-me, ó Deus da verdade.
Ó Jesus, para minha salvação derramastes todo o vosso sangue, sacrificastes a vossa vida; não permitais que por minha culpa tudo isso seja sem fruto para mim. Meu Jesus, eu Vos amo, e pelos vossos merecimentos espero amar-Vos sempre. In te, Domine, speravi, non confundar in aeternum.
— Em vós, Senhor, pus minha esperança; não permitais que eu seja confundido para sempre. Ó Maria, Mãe de Deus, confio também em vossas orações; pedi que eu seja fiel a vosso Filho na vida e na morte. A vós também direi com São Boaventura: In te, Domina, speravi, non confundar in aeternum.
— Em vós, Senhora, pus minha esperança; não permitais que eu seja confundido para sempre. Não, minha Senhora, nunca se perdeu quem pôs as suas esperanças em vós, e de certo não serei eu o primeiro.
Referências:
(1) Jo 10, 15 et 18 (2) Jo 17, 10 (3) 2 Tm 1, 12 (4) Sl 30, 6
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 238-240)
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