Volta de Jesus do Egito
Consurgens (Ioseph), accepit puerum et matrem eius, et venit in terram Israel – “José, levantando-se, tomou o Menino e sua Mãe e veio para a terra de Israel” (Mt 2, 21)
Sumário. Depois de um exílio de sete anos, a sagrada Família recebeu afinal ordem de voltar para a Palestina. José toma a ferramenta de seu ofício, Maria a trouxa de roupa e se põem prestes em caminho com Jesus, ora carregando-O alternadamente nos braços, ora conduzindo-O pela mão. Quanto não devem ter sofrido os santos viajantes naquela jornada! Unamo-nos com eles na viagem que estamos fazendo para a eternidade.
I. Depois da morte de Herodes e depois de um exílio de sete anos, que na opinião de Santa Madalena de Pazzi Jesus passou no Egito, aparece novamente o Anjo a São José e manda-lhe que tome o santo Menino e a Mãe, e volte para a Palestina. Com grande satisfação pela notícia recebida, São José vai comunicá-la a Maria. Antes de partirem, os santos esposos vão levar as despedidas aos amigos que tinham granjeado naquela terra. Depois, José ajunta de novo a pouca ferramenta do seu ofício, Maria faz uma trouxa da roupa que possui e tomando o divino Menino pela mão, empreendem, com Jesus no meio, a viagem da volta.
Reflete São Boaventura que esta viagem foi mais penosa para Jesus do que a da fuga; porquanto já estava mais crescido, pelo que Maria e José não podiam carregá-Lo longo tempo nos braços; por outro lado, o santo Menino pela sua idade não podia ainda fazer tão grande viagem a pé; de sorte que Jesus se via obrigado muitas vezes a parar e a descansar por falta de forças. Mas, quer caminhem, quer descansem, José e Maria têm sempre os olhos e os pensamentos fitos no Menino amado, que era todo o objeto do seu amor. Ah, com que recolhimento anda por esta vida a alma feliz que tem sempre diante dos olhos o amor e os exemplos de Jesus Cristo!
Na viagem, os santos peregrinos quebram de quando em vez o silêncio com alguma conversação santa; mas com quem e de que é que falam? Não falam senão com Jesus e de Jesus. Quem tem Jesus no coração, não fala senão com Jesus, nem de outra coisa senão de Jesus.
II. Pondera ainda São Boaventura a pena que sofreu, durante a viagem, o nosso pequeno Salvador, quando, de noite, não tinha mais o colo de Maria para descansar, como na ida, mas sim a terra nua. Para alimentação também não tinha mais leite, mas um bocado de pão duro, duro demais para a sua tenra idade. É bem provável que sofresse também sede naquele deserto onde os Hebreus experimentaram tamanha penúria de água, que foi preciso um milagre de Deus para a remediar. Contemplemos e adoremos com amor todos esses sofrimentos de Jesus Menino.
Meu amado e adorado Redentor, voltais para vossa pátria; mas, ó Deus, para onde voltais? Ides ao lugar onde vossos conterrâneos vos preparam desprezos durante a vossa vida e depois açoites, espinhos, ignomínias e a cruz para a vossa morte. Tudo isso, ó meu Jesus, estava presente aos vossos olhos divinos, e Vós de boa vontade ides de encontro à paixão que os homens vos preparam. Mas, Senhor meu, se Vós não tivésseis vindo a morrer por mim, eu não poderia ir amar-Vos nos paraíso e deveria estar para sempre longe de Vós. A vossa morte é a minha salvação. — Como foi possível, ó Senhor, que eu pelo desprezo de vossa graça me condenasse outra vez ao inferno, mesmo depois da vossa morte por meio da qual me haveis libertado dele? Reconheço que um inferno é pouco para mim.
Todavia, Vós me esperastes para me perdoar. Graças Vos sejam dadas, meu Redentor, e arrependido como estou, detesto todos os desgostos que Vos tenho dado. Por piedade, ó Senhor, livrai-me do inferno. Se por minha desgraça tivesse um dia de condenar-me, o meu inferno mais doloroso seria o remorso de ter conhecido em vida o amor que me tendes havido. Não tanto o fogo infernal, como a falta de vosso amor, ó Jesus meu, seria o meu inferno. Vós viestes ao mundo a fim de acender o fogo de vosso amor; é neste fogo que quero abrasar-me e não naquele que me havia de separar para sempre de Vós. Repito, pois, ó meu Jesus, livrai-me do inferno, porque no inferno não Vos poderia amar. — Ó Maria, minha Mãe, ouço que todos dizem e publicam que aqueles que vos amam e em vós confiam, não irão ao inferno, contanto que se queiram emendar. Amo-vos, Senhora minha, e confio em vós; quero emendar-me; ó Maria, encarregai-vos de livrar-me do inferno.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 167-169)
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Na Cruz acha-se a nossa salvação
Lignum vitae est his, qui apprehenderint eam; et qui tenuerit eam, beatus – “É árvore de vida para aqueles que lançarem mão dela; e é bem-aventurado quem a não largar” (Pv 3, 18)
Sumário. Se quisermos salvar-nos, é mister que nos resolvamos a carregar com paciência a cruz que Deus nos manda, e a morrer nela por amor de Jesus Cristo, assim como Ele morreu na cruz por nosso amor. É este também o meio para acharmos a paz nos sofrimentos. Quem recusa aceitar a cruz, de ordinário aumenta-lhe o peso; ao passo que quem a abraça e carrega com paciência, tira-lhe o peso e converte-a em consolação.
I. Na cruz acha-se a nossa salvação, a nossa força contra as tentações, o desapego dos prazeres terrestres; na cruz, em suma, acha-se o verdadeiro amor de Deus. Mister é, pois, que nos resolvamos a carregar com paciência a cruz que Deus nos envia e a morrermos nela por amor de Jesus Cristo, que morreu na sua por nosso amor. Não há outro caminho por onde se entra no céu, senão o da resignação nas tribulações até à morte. — O meio para acharmos a paz nos próprios padecimentos é a uniformidade com a vontade divina. Se não usarmos deste meio, dirijamo-nos aonde quisermos, façamos quanto pudermos, não conseguiremos subtrair-nos ao peso da cruz. Ao contrário, se a carregarmos de boa vontade, a cruz nos levará ao céu, e nos dará a paz nesta terra.
Que é o que faz quem rejeita a cruz? Aumenta-lhe o peso. Mas quem a abraça e carrega com paciência alivia-a e converte-a em doçura. Deus é profuso com as suas graças para com todos aqueles que de boa vontade carregam a cruz para lhe agradarem. O padecimento não apraz a nossa natureza; mas quando o amor divino reina num coração, fá-lo aceitável. — Ah! Se considerássemos bem o estado de felicidade que gozaremos no paraíso, se formos fiéis a Deus em sofrermos sem lamentos os trabalhos da vida, de certo não nos queixaríamos de Deus quando nos envia cruzes. Antes havíamos de lh´as agradecer, e até havíamos de pedir mais sofrimentos ainda. — Se somos pecadores, devemo-nos consolar nas tribulações que vierem e pensar que Deus nos castiga na vida presente; porque é isso sinal certo de que Deus quer livrar-nos do castigo eterno. Ai do pecador que goza de prosperidade na terra! Quem tiver de sofrer alguma grave tribulação, lance um olhar no inferno merecido e toda a pena se-lhe afigurará leve.
II. Se quisermos ser santos, devemos transformar o nosso gosto. Enquanto não chegarmos a achar doce o que é amargoso, e amargoso o que é doce, nunca nos poderemos unir perfeitamente com Deus. Toda a nossa segurança e perfeição está em sofrermos com resignação todas as contrariedades que nos vierem cada dia, e em sofrermo-las para agrado de Deus, o que constitui o fim principal e mais nobre que possamos ter em mira em todas as nossas obras.
Portanto, ofereçamo-nos sempre a Deus, prontos a carregar toda a cruz que nos queira enviar. Conservemo-nos sempre preparados para sofrer por seu amor todo o trabalho, a fim de que, quando nos venha algum, estejamos prontos a abraçá-lo. — Quando se nos afigurar mais duro o peso da cruz, recorramos logo à oração, para que Deus nos dê força para a carregarmos com merecimento. Avivemos então, mais do que nunca, a nossa fé, e lancemos um olhar sobre Jesus crucificado que está agonizando na cruz por nosso amor. Lancemos também um olhar para o céu e lembremo-nos do que diz São Paulo, a saber, que toda a tribulação terrestre, por mais dura que seja, não está em proporção com a glória que Deus nos prepara na vida futura (1).
Ó meu Jesus, quanto consolo me dá a vossa palavra: Convertimini ad me, et convertar ad vos (2) — “Convertei-vos a mim, e eu me converterei a vós”. Eu Vos deixei por amor às criaturas e às minhas míseras satisfações; mas agora que deixo tudo e me converto a Vós, estou certo de que não me repelireis, uma vez que Vos quero amar. Recebei-me na vossa graça e fazei-me conhecer o grande bem que sois e o amor que me tendes, a fim de que nunca mais me aparte de Vós. Jesus meu, perdoai-me os desgostos que Vos tenho dado, fazei que Vos ame sempre e nada mais quero. — Ó Maria, recomendai-me a vosso Filho; Ele vos concede quanto Lhe pedis; em vós confio.
Referências:
(1) Rm 8, 18 (2) Zc 1, 3
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 38-40)
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