Comemoração de todos os Fiéis Defuntos
Sancta et salubris est cogitado pro defunctis exorare, ut a peccatis solvantur — “É um santo e salutar pensamento orar pelos mortos para que lhes sejam perdoados os seus pecados” (2 Mc 12, 46)
Sumário. A devoção às almas do purgatório é muito agradável ao Senhor, e utilíssima ao que a pratica. Jesus Cristo ama imensamente estas suas esposas e suspira pelo momento em que as possa estreitar contra o peito; e as santas prisioneiras mostrar-se-ão gratas para aquele que lhes obtém o livramento do seu cárcere ou ao menos algum alívio nas suas penas. Sufraguemos, pois, constantemente as almas do purgatório, particularmente neste mês e neste dia consagrados à sua memória.
I. A devoção às almas do purgatório, que consiste em recomendá-las a Deus para que lhes alivie as grandes penas que padecem e as chame em breve para a sua glória, é muito agradável ao Senhor e utilíssima ao que a pratica. Sim, porque Jesus Cristo ama imensamente essas almas; e posto que a sua justiça inexorável o constranja, por assim dizer, a mostrar-se para com elas Juiz severo, e exigir que sejam limpas de toda a mancha antes de serem admitidas ao céu, no qual não entrará coisa alguma contaminada — Non intrabit aliquod coinquinatum (1) —, não deixa isso, todavia, de ser um estado de constrangimento.
Jesus suspira pelo momento em que poderá apertar contra o peito as suas santas esposas e coroá-las rainhas do seu reino bem-aventurado. É este um dos motivos pelos quais estabeleceu a comunicação dos santos, quer dizer uma comunicação mútua de bens entre nós e as Igrejas, triunfante e padecente. Além disso, impõe-nos Deus o preceito de praticarmos o bem para com os defuntos:
Mortuo non prohibeas gratiam (2) — “Não impidas que a liberalidade se estenda aos mortos”
As santas prisioneiras do purgatório serão gratas àquele que lhes obtém o livramento daquele cárcere, ou ao menos algum alívio das penas e nunca mais se esquecerão daquele que por elas intercedeu. Piamente se pode crer que Deus lhes revele as nossas orações, a fim de que elas orem também por nós. Verdade é que as almas do purgatório não podem rezar para si mesmas, porque ali se acham como condenadas, que satisfazem pelas suas culpas; todavia porque são mui queridas de Deus, podem orar por nós e obter-nos muitas graças.
Quando Santa Catarina de Bolonha desejava obter alguma graça, recorria às almas do purgatório, e logo se via atendida. Declarou que por intermédio dessas almas alcançou diversas graças que não tinha alcançado por intermédio dos santos. São inúmeras as graças que os devotos afirmam terem obtido pela intercessão das santas almas do purgatório.
II. Se as almas do purgatório já se mostram agradecidas aos seus devotos, mesmo quando ainda estão penando naquele cárcere; sê-lo-ão muito mais depois de entradas na glória celeste. Alcançar-lhes-ão os favores mais assinalados, e especialmente a salvação eterna. Tenho por certo que uma alma, livre do purgatório pelos sufrágios de algum devoto, uma vez entrada no céu, não deixará de dizer a Deus:
“Senhor, não permitais que se perca aquele que me livrou do cárcere do purgatório e me fez entrar mais a depressa na alegria do vosso Reino”
Avivemos, pois, a nossa devoção para com essas santas prisioneiras. Sobretudo no dia de hoje, em que a Igreja celebra a sua comemoração, apliquemos-lhes todas as nossas orações. No correr do mês de novembro, que a devoção dos fiéis lhes consagrou, ofereçamos em seu sufrágio alguma esmola, algum jejum ou qualquer outra mortificação. Para o mesmo fim, frequentemos os santos sacramentos e façamos algumas vezes a Via Sacra. Mas sobretudo ouçamos por elas, o mais possível, a santa missa, e, se o permitir a nossa condição, mandemos celebrar alguma missa, que é o sufrágio mais proveitoso às almas. Afirma São Jerônimo que “cada missa devotamente celebrada faz sair várias almas do purgatório”, e em outra parte:
“As almas que penam no purgatório, pelas quais o sacerdote ora durante a celebração da missa, não sentem as penas enquanto durar a celebração”.
Meu amabilíssimo Jesus, “Deus Criador e Redentor de todos os fiéis, concedei às almas dos vossos servos e servas a remissão de todos os seus pecados, para conseguirem com pias súplicas a indulgência que sempre desejaram.Ó Senhor, dai-lhes o descanso eterno e a luz perpétua lhes resplandeça” (3). Peço-vos também esta graça, ó Maria, grande Mãe de Deus e Mãe daquelas almas que padecem tanto. Almas benditas, roguei por vós e sempre por vós rogarei; mas já que sois tão queridas de Deus e estais certas de que não o podeis mais perder, rogai por mim, miserável, que estou ainda em perigo de me condenar e de perder a Deus para sempre.
Referências: (1) Ap 21, 27. (2) Eclo 7, 37. (3) Or. festi.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano Eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 387-390)
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Devoção a São Joaquim e Santa Ana, pais de Maria Santíssima
Gloria filiorum patres eorum – “A glória dos filhos são seus pais” (Pv 17, 6)
Sumário. São Joaquim e Santa Ana são as pessoas venturosas a quem, depois de Deus, Maria Santíssima é devedora de tudo quanto possui. Infiramos disso quanto lhe deve agradar o nosso amor e veneração para com eles. Se amas a divina Mãe, sê também devoto a seus santos pais. Agradece muitas vezes à Santíssima Trindade os dons, as graças e os privilégios que lhes concedeu, e invoca-os em tuas necessidades. Procura sobretudo imitar as suas virtudes, especialmente o amor que tinham a sua santíssima filha.
I. Considera quão agradável deve ser à Santíssima Virgem a devoção a seus santos pais, a quem se reconhece de mil modos obrigada. Conforme uma tradição antiquíssima, São Joaquim e Santa Ana ficaram muitos anos sujeitos à provação da esterilidade. Se finalmente da sua santa união nasceu essa filha celestial, foi porque pelas suas orações, vigílias, jejuns e esmolas fizeram violência a Deus. De modo que com razão se pode dizer que aqueles santos esposos foram duplamente os progenitores de sua filha santíssima.
São Joaquim e Santa Ana foram os primeiros que aqui na terra começaram a amar Nossa Senhora, e, como afirmam São Jerônimo e Santo Epifânio, foi por ordem da Santíssima Trindade que lhe puseram o nome de Maria o qual, pelas suas sublimes significações, já prognosticava os altos ofícios a que era destinada. Foram eles igualmente que lhe deram a primeira educação, e ah, quão esmerada!
Quando depois a virgenzinha chegou a completar três anos, tomaram-na nos braços, e carregando-a alternadamente na longa viagem de Nazaré a Jerusalém, apresentaram-na no Templo, em cumprimento da promessa feita. Este sacrifício custou bastante a seu coração paternal; fizeram-no todavia para se conformarem com a vontade de Deus e para o grande bem que disso devia resultar para a sua amada filha.
Finalmente, quando esses santos personagens morreram, deixaram à Bem-aventurada Virgem todos os seus haveres, e particularmente a casa de Nazaré, na qual o Redentor passou a maior parte de sua vida em submissão a São José e à sua casta esposa. Numa palavra, depois de Deus, é a São Joaquim e Santa Anna que Maria Santíssima é devedora de tudo que tem, e daí se infere quanto lhe deve ser agradável se a ajudarmos no seu tributo de gratidão, praticando a devoção a esses grandes Santos.
II. Se é tão agradável à Santíssima Virgem a devoção para com seus amados pais, procuremos ser-lhe particularmente devotos a fim de darmos à nossa Mãe maior satisfação. Cada ano, no dia que lhes é consagrado, recebe os santíssimos sacramentos em sua honra, e desde hoje toma a resolução de os amar com o mesmo amor com que os amam e amarão eternamente Jesus e Maria. Agradece muitas vezes à Santíssima Trindade os dons, as graças e as prerrogativas que lhes concedeu, e em todas as tuas necessidades corre a eles com inteira confiança. — Esforça-te sobretudo por imitares os exemplos de virtude que nos deixaram, em particular o amor que tiveram a Maria Santíssima. Como diz Santo Agostinho, a devoção verdadeira consiste exatamente na imitação: Vera devotio est imitari quem colimus.
Ó progenitores digníssimos de Maria sempre Virgem, São Joaquim e Santa Ana, eu, vosso servo humilde, cheio de confiança em vossa bondade, ofereço-me hoje todo a vós e proponho honrar-vos sempre o mais possível, para contentar o coração de vossa santíssima filha, minha rainha Maria. Não vos dedigneis de me aceitar por vosso servo e de me ajudar em todas as necessidades, tanto da alma como do corpo. Obtende-me especialmente uma terníssima devoção para com vossa filha e minha amadíssima Mãe.
Ó meus santos protetores, quisera eu amar a Maria assim como vós a amastes. Mas este desejo é superior às minhas forças, meu coração está demais apegado às criaturas para se elevar tão alto. A vós recorro, portanto, e rogo-vos, pelo amor da mesma Virgem, me alcanceis a graça de a amar, honrar e servir com todas as minhas forças; e juntamente com a devoção à Maria, obtende-me um amor ardentíssimo para com Jesus Cristo, seu divino Filho e vosso descendente segundo a carne.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 240-243)
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