Meditação de 6 de maio

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Festa de São João ante a Porta Latina

Festa de São João ante a Porta Latina

Calicem quidem meum bibetis — “Haveis de beber o meu cálice” (Mt 20, 23)

Sumário. Não bastou ao discípulo predileto o ter sofrido no Gólgota um martírio interior. Para plena realização da profecia de Jesus Cristo, que havia de beber o cálice da sua Paixão, foi necessário que padecesse também um martírio exterior, tal como de fato o sofreu quando foi lançado em uma caldeira cheia de azeite a ferver. Deus, porém, preservou-o milagrosamente, e deu a São João a glória do martírio, sem que se lhe abreviasse a vida. Regozijemo-nos com o santo e peçamos que nos alcance a graça de imitarmos as suas virtudes, especialmente o seu amor para com Deus e para com o próximo.

I. São João protestou a Jesus Cristo que poderia beber o cálice de sua Paixão e foi-lhe respondido que a seu tempo o havia de beber: Calicem quidem meum bibetis (1)— “Haveis de beber o meu cálice”. Esta predição do Senhor não tardou a ser realizada; porquanto o santo apóstolo, avantajando-se aos outros, acompanhou o seu amado Mestre até o Calvário, onde partilhou de todos os insultos, injúrias e padecimentos de Jesus.

Não se contentou, porém, o discípulo predileto de sofrer aquele martírio no coração. Para que se realizasse ao pé da letra, necessário era que padecesse também um martírio exterior. Com efeito, começou a sofrê-lo, quando, como refere São Lucas, foi, juntamente com os outros apóstolos, açoitado em Jerusalém, por ordem do príncipe dos sacerdotes. Ele saiu da presença do Conselho verdadeiramente contente de ter sido achado digno de sofrer afrontas pelo nome de Jesus (2).

Na perseguição ordenada depois pelo imperador Domiciano, São João foi preso na cidade de Éfeso, onde se achava, foi levado a Roma entre sofrimentos indizíveis. Ali foi primeiro encarcerado e barbaramente flagelado; em seguida foi condenado a ser lançado numa caldeira cheia de azeite a ferver, e afinal obrigaram-no a tomar uma taça de veneno mortífero. Procuremos entrar nos sentimentos do coração do santo e reflitamos na alegria que devia experimentar ao ouvir a sentença de condenação e ao ver-se tão perto de dar a vida por Jesus Cristo. Ó! Como ele praticou perfeitamente o que tinha ensinado dizendo: Non diligamus verbo, neque lingua, sed opere et veritate (3) — “Não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade”. Nós, ao contrário, temos o amor de Deus sobre a língua, mas no coração o amor desordenado às criaturas e a nós mesmos. Excite-nos, ao menos, o exemplo de São João a que nos emendemos.

II. Jesus Cristo, que sempre tinha distinguido o seu discípulo amado com favores especiais, quis também dar-lhe nova prerrogativa no seu martírio. Deu-lhe a glória do martírio, ao mesmo tempo que tirava aos homens o poder de abreviar uma vida tão preciosa e tão necessária à Igreja nascente. Por isso, lançado que foi São João na caldeira, o fogo perdeu sua força sobre ele; queimou, porém, os ministros que o atiçavam.

Assim também, quando o santo fez o sinal da cruz sobre a taça que continha o veneno, este se tornou inofensivo, segundo a promessa do Senhor: Si mortiferum quid biberint, non eis nocebit (4) — “Se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará mal”. Pelo que o imperador envergonhado e estupefato, o desterrou para a ilha de Patmos, onde Deus lhe revelou todas as vicissitudes futuras da Igreja, referidas no Apocalipse.

De volta a Éfeso, São João escreveu o seu Evangelho, e dirigiu os povos por ele convertidos, edificando-os com os exemplos de todas as virtudes e em particular da caridade cristã. Narra São Jerônimo que estando o Apóstolo já acabado pelos trabalhos e pela idade, e não podendo fazer mais pregações prolongadas, não deixava de dizer a seus discípulos: Meus filhos, amai-vos uns aos outros; amai-vos uns aos outros. Perguntado porquê sempre repetia a mesma coisa, deu esta resposta, digna do Apóstolo do amor: “Este é o preceito do Senhor, e quem o observa, faz quanto basta”.

Ó santo Apóstolo e meu poderoso Protetor, regozijo-me convosco pelo belo título de Mártir, que vos compete como aos outros apóstolos. Dou graças ao Senhor, e peço-vos que me alcanceis a graça de sempre vos imitar, especialmente em vosso amor a Deus e ao próximo. “Ó Pai Eterno, Vós que vedes que os nossos males nos apertam por toda a parte; fazei com que sejamos protegidos pela gloriosa intercessão de vosso bem-aventurado apóstolo e evangelista São João” (5). Fazei-o pelo amor de Jesus Cristo e pela intercessão de Maria Santíssima.

Referências: (1) Mt 20, 23. (2) At 5, 40. (3) 1 Jo 3, 18. (4) Mc 16, 18. (5) Or. festi.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 330-333)

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Quem deseja a salvação, deve temer a condenação

Quem deseja a salvação, deve temer a condenação

Cum metu et tremore vestram salutem operamiui – “Trabalhai em vossa salvação com medo e tremor” (Fl 2, 12)

Sumário. Avisa-nos São Paulo que devemos trabalhar em nossa salvação não só com medo, mas com tremor, visto que se trata da eternidade. Se na hora da morte estivermos na graça de Deus, tudo estará seguro: seremos felizes para sempre. Se, ao contrário, a morte nos achar em pecado mortal, com que desespero confessaremos: Desviei-me do caminho e já não há remédio em toda a eternidade! Meu irmão, aproveitemo-nos do aviso. Quem sabe se esta meditação não é para mim o último convite… Quem sabe se não morreremos repentinamente!

I. São Paulo nos previne que devemos trabalhar em nossa salvação não só com medo, mas com tremor; porquanto quem não teme e treme pela sua salvação, não se salvará: Cum metu et tremore vestram salutem operamini. Um rei da Sicília, para fazer compreender a um simples cidadão o receio que o dominava no trono, o mandou sentar à mesa com uma espada suspensa por um fio delgado sobre a cabeça, de modo que, nesta terrível situação, mal podia comer um bocado. Coisa igual se dá conosco: todos nós estamos em semelhante perigo, pois que, de um instante para outro, pode cair sobre nós a espada da morte, da qual depende a nossa eterna salvação.

Trata-se da eternidade. Si ceciderit lignum ad austrum aut ad aquilonem, in quocumpque loco ceciderit, ibi erit (1) – “Se a árvore cair para a parte do sul ou para a do norte, em qualquer lugar onde cair, aí ficará”. Se na morte nos acharmos na graça de Deus, qual não será a alegria da alma, que então poderá dizer: “Tudo está seguro, já não posso mais perder a Deus, serei feliz para sempre!” Mas se a morte achar a alma em estado de pecado, com que desespero não exclamará: “Ergo erravimus! (2) Desviei-me do caminho e para a minha aberração já não há remédio em toda a eternidade!”

Foi este receio que fez o Bem-aventurado João de Ávila, apóstolo de Espanha, dizer quando lhe anunciaram a aproximação da morte: “Oxalá tivesse mais um pouco de tempo para me preparar para a morte!” Foi o mesmo temor que fez o Abade Agathon dizer, posto que morresse depois de longos anos de penitência:

“Que será feito de mim? Quem conhece os juízos de Deus?” Santo Arsênio tremia igualmente à vista da morte, e perguntando-lhe seus discípulos a causa, respondeu: “Meus filhos, este temor não é novo em mim, tive-o sem cessar durante toda a minha vida.”

Mais que ninguém tremia o santo homem Jó, quando exclamava:

Quid faciam, cum surrexerit ad iudicandum Deus? (3) – “Que farei, quando o Senhor se levantar para me julgar? E Quando me interrogar, que lhe responderei?”

E tu, meu irmão, que poderias responder a Jesus Cristo se ele te deixasse morrer neste instante e te chamasse perante o seu tribunal?

II. Meu irmão, quem sabe se a meditação que estás lendo, não é o último convite que Deus te faz? Preparemo-nos, portanto, quanto antes para a morte, afim de que não nos colha de improviso. Diz Santo Agostinho que Deus nos oculta o último dia da vida para que estejamos todos os dias preparados para morrer: Latet ultimus dies, ut observentur omnes dies. Ah, meu Deus, quem houve jamais que me tenha amado mais do que Vós? E a quem tenho eu mais desprezado e injuriado do que a Vós? Ó Sangue, ó Chagas de Jesus, Vós sois a minha esperança. Pai Eterno, não repareis nos meus pecados; olhai as chagas de Jesus Cristo, olhai vosso Filho querido, que morre de dor por amor de mim, e Vos pede que me perdoeis. Arrependo-me, ó meu Criador, de Vos ter ofendido, e sinto-o mais que qualquer outro mal. Vós me criastes para que Vos ame, e vivi como se me tivésseis criado para Vos ofender. Por amor de Jesus Cristo, perdoai-me e dai-me a graça de Vos amar. Outrora eu resistia à vossa vontade; mas agora não quero mais resistir; quero fazer tudo que me ordenardes.

Ordenais-me, ó Senhor, que deteste os ultrajes que Vos fiz; pois bem, detesto-os de todo o coração. Ordenais que tome a resolução de não Vos ofender mais; eis que resolvo antes perder mil vezes a vida do que a vossa graça. Ordenais que Vos ame de todo o coração; ah sim! De todo o coração Vos amo, e não quero amar senão a Vós; de hoje em diante sereis o meu único bem, o meu único amor. Peço-Vos, e de Vós espero obter, a santa perseverança. – Meu Pai, pelo amor de Jesus Cristo, fazei com que eu Vos seja fiel e Vos diga sempre com São Boaventura: Sois o meu bem-amado, o meu único amor: Unus est dilectus meus, unus amor meus. Não, não quero que a minha vida sirva para Vos dar desgosto; quero que me sirva somente para chorar as mágoas que Vos causei, e para Vos amar. – Maria, minha Mãe, vós rogais por todos os que se vos recomendam; rogai também por mim a Jesus.

Referências:

(1) Ecle 11, 3 (2) Sb 5, 6 (3) Jó 31, 14

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 94-96)

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