Circuncisão de Nosso Senhor Jesus Cristo
Ao rei dos Santos, ao autor de toda justiça e santidade, a N. Sr. e Salvador Jesus Cristo é dedicado o primeiro dia do novo ano. A Igreja celebra neste dia a memória da Circuncisão de N. Sr., mistério que, como diz S. Bernardo, merece nossa admiração e amor. O Evangelho relata o acontecimento do modo seguinte: “Oito dias depois de nascido, circuncidaram o menino e deram-lhe o nome de Jesus; nome que o anjo já lhe tinha dado antes de concebido.” Quatrocentos anos antes da promulgação da lei mosaica Deus tinha prescrito a circuncisão a Abraão e a seus descendentes. Devia ela ser: 1) o selo da aliança feita entre Deus e Abraão e seus filhos; 2) a confirmação das promessas, que Deus fizera a Abraão, ao pai dos fiéis; 3) o sinal distintivo dos judeus no meio dos infiéis.
A Circuncisão era o principal e mais necessário sacramento do Antigo Testamento. Era ela a condição essencial da incorporação no Povo eleito de Deus. Há Santos Padres, que a comparam com o batismo, reconhecendo nela um símbolo da purificação do pecado original e da santificação pela graça de Deus. (S. Tomás de Aquino).
Jesus Cristo, o supremo legislador, o Santo dos Santos, descendente de Abraão não do modo natural, mas pela obra do Espírito Santo, não estava sujeito à lei da circuncisão. O desejo de nos dar um exemplo de humildade e obediência fez com que se sujeitasse a dura determinação mosaica.
A Circuncisão desarma a argumentação dos maniqueus e de outros hereges, que negavam em Jesus Cristo a existência de um corpo real, igual ao nosso. Revestindo-se ele da nossa natureza, seu sofrimento não foi imaginário, mas real como de nós todos. A Circuncisão removeu todas as dificuldades, que os judeus possivelmente podiam levantar contra a dignidade de Messias, negando-lhe a filiação de Abraão, da família do qual, segundo a divina promessa, o Salvador havia de descender. Pelo seu exemplo veio Jesus Cristo mostrar, que sua intenção não era abolir, mas cumprir a antiga lei. Finalmente é a Circuncisão uma prova de amor a nós, uma revelação do desejo de sofrer por nós. A Circuncisão nos é garantia da salvação que Jesus Cristo mais tarde ia realizar e realizou no altar da cruz. Além disto, queria Nosso Senhor dar um exemplo de paciência e humildade aos pecadores, mostrando-lhes que, sendo ele o Senhor de todos, se humilha à condição de pecador, sofrendo em sua carne inocente as dores mais pungentes. Menino ainda, pelo seu exemplo convida-nos à sua imitação, como mais tarde nos chama a si, dizendo: “Aprendei de mim. Eu vos dei um exemplo para que façais como eu tenho feito.” (João 13, 15)
S. Lucas, que de todos os evangelistas mais pormenoriza as circunstâncias do nascimento de Nosso Senhor, quase nada diz sobre a Circuncisão. Não diz o lugar, onde a mesma se realizou, nem menciona a pessoa que a executou. É, entretanto, bem motivada a opinião de Santo Epifânio e de outros Santos Padres, segundo a qual Jesus Cristo foi circuncidado no estábulo que o viu nascer e onde recebeu a visita dos Reis Magos. Da Sagrada Escritura, sabemos que a circuncisão, não sendo do ofício sacerdotal, de ordinário era praticada pelo pai da criança. Abraão, que não era sacerdote, circuncidou a Ismael e os meninos dos seus empregados; Séfora, que era mulher, circuncidou seu próprio filho. Assim sendo, é provável, que a Circuncisão de N. Sr. tenha sido feita por S. José.
Costume era dos Judeus, darem à criança o nome na ocasião da Circuncisão. O Arcanjo S. Gabriel, o portador da celeste mensagem, anunciara a Maria Santíssima o nome de seu divino Filho: “Eis que concebereis, — disse o Anjo, — e dareis à luz um filho, a quem poreis o nome de Jesus.” Como razão disto o Anjo acrescentou: “Ele remirá seu povo dos seus pecados.” (Mateus 1, 21) O nome de Jesus significa, pois: Salvador. Outros homens célebres, antes de Jesus Cristo, eram chamados de Salvadores, como Josué, Josedeque, Gedeão e Sansão. Todos eles eram salvadores do seu povo, mas num sentido muito restrito.
Só a Jesus Cristo, o nascido da Virgem Imaculada compete o título pleno de Salvador do mundo, que por ele foi resgatado a preço do seu diviníssimo Sangue.
Entre os Santos Padres são principalmente S. Bernardo, S. Bernardino de Sena e S. Boaventura, que tecem os maiores elogios ao santíssimo nome de Jesus, enaltecendo seu poder e magnificência. S. Paulo, em referência a este santo nome, já disse, que “o nome de Jesus é acima de todos os nomes; que ao nome de Jesus todo o joelho dobre-se no céu, na terra e nos infernos.” (Fil. 2, 9) O próprio Cristo dá-nos uma ideia do poder do seu nome, afirmando-nos que tudo alcançaremos do Pai, o que lhe pedirmos em seu nome. Falando nas grandes obras que serão feitas em virtude de seu nome, acrescenta: “Em meu nome expulsarão demônios, falarão novas línguas, levantarão serpentes, e se beberem alguma potagem mortífera, não lhes fará mal; porão as mãos sobre os enfermos e sararão.” (Marc. 16, 1) A história da vida dos Apóstolos e dos Santos está cheia de fatos comprobatórios desta profecia.
Os Santos tiveram um grande respeito e profunda veneração ao santíssimo nome de Jesus. Ele era seu conforto nas lutas, seu consolo nas tribulações, seu escudo contra os inimigos da alma. Nas epístolas de S. Paulo, mais de duzentas vezes se encontra o nome de Jesus. Os Apóstolos julgaram-se muito honrados, podendo sofrer alguma coisa por amor ao nome do seu divino Mestre. Santo Estevão antes de exalar seu espírito exclamou ainda: “Senhor Jesus, recebei meu espírito!” (At. 7, 58)
Reflexões
1. Quantos exemplos não te dá Nosso Senhor na sua Circuncisão! Ele, o mais Santo, sujeita-se a uma lei humilhante, e tu queres que todos te respeitem como justo e santo, quando és miserável pecador! Jesus sofre inocentemente dores atrozes – e tu nada queres sofrer e rejeitas a cruz, que Deus te manda. Jesus sujeita-se a leis, sendo ele o legislador: – tu queres ser livre da lei e não observas nem a de Deus, nem a da Igreja. Jesus sofre por ti, dando assim uma prova evidente de seu amor: – tu custas a dar-lhe o coração e com ele teu amor. – Emenda-te e procura ser humilde, paciente, obediente às leis de Deus e da santa Igreja.
2. Hoje é o primeiro dia do novo ano. Jesus o inicia e abençoa com as gotas de seu sangue. Que pretendes tu fazer hoje? Que sacrifícios oferecerás a Deus? Foi por dever, que Deus te concedeu mais este ano? Tens um direito a mais esta graça? Foi tua vida tão agradável a Deus, que ele com prazer te deu mais este ano novo? – Não será o contrário a verdade: que a bondade e misericórdia divina é tamanha que, apesar das tuas infidelidades e pecados te cumula ainda de novos benefícios? Não será que Deus viu ser necessário dar-te mais tempo para fazeres penitência, porque sem ela irias à eterna perdição? Faze bom uso do tempo e das graças, que Deus te oferece, para que não agraves ainda mais a justiça divina!
3. Este novo ano pode ser o último de tua vida. Saúde e força nem sempre são sólida garantia de longa existência. À Ananias disse o Senhor pelo profeta: “Disse o Senhor: eu te tirarei desta vida; neste ano ainda hás de morrer.” E Ananias morreu no mesmo ano. Se Deus te fizesse a mesma comunicação, que efeito teria ela em tua alma? Prepara-te, pois, para tua morte. Lembra-te da figueira do Evangelho, que o Senhor mandou que fosse cortada, caso não produzisse frutos. Quais são os frutos de virtude e santidade, que produziste até hoje? Começa hoje mesmo uma nova vida, uma vida em Deus e com Deus!
Referência: Na luz Perpétua, 5ª. ed., Pe. João Batista Lehmann, Editora Lar Católico – Juiz de Fora – Minas Gerais, 1959.
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